Por Ricardo Antunes
Derrotado nas últimas eleições presidenciais, quando obteve cinco milhões de votos no primeiro turno e um modesto quarto lugar, o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), resolveu quebrar o silêncio.
Recluso desde o resultado da eleição, voltou a exercer a medicina, sua paixão, mas continua sendo um dos maiores especialistas em gestão pública do país. Não é à toa que em todos os seus governos ele obteve índices bastante positivos.
É numa padaria famosa, no bairro do Itaim, sempre no meio da tarde, que o ex-governador pode ser encontrado. Ele tem um escritório ao lado e, sempre educado, cumprimenta a todos e vai despachar com um assessor, entre um gole de café e outro. É lá que ele também recebe algumas pessoas.
Foi nesse local, e com a educação e o estilo afirmativo, que ele conversou conosco por quase uma hora. Ao final, sem que eu percebesse, levou minha comanda, e pela janela alertou com um sorriso: “Já está paga”, me devolvendo o cartão num gesto bem descontraído para quem teve tanto poder.
O tucano, que chegou a comandar o partido nacionalmente, avaliou o tumultuado governo de Bolsonaro, mostrou apreço pela reeleição do prefeito de São Paulo, Bruno Covas, e se esquivou de dar nota a João Dória. Alckmin também falou dos rumos do PSDB, da necessidade latente por uma reforma política e dos desafios que o Brasil tem para os próximos quatro anos. Faz mistério sobre 2022, mas diz que quer continuar servindo à população, por enquanto como médico.
A íntegra da entrevista você confere abaixo:
RICARDO ANTUNES – Governador, obrigado por receber nosso blog. Trago o abraço do Nordeste e de Pernambuco. O senhor aliás encabeçou a chapa em 2006 tendo um vice pernambucano, o ex-ministro José Jorge. Hoje está medicando, depois de ter disputado a última eleição presidencial. Nisso queria já começar fazendo uma provocação para saber como o senhor está vendo todo esse quadro de radicalismo que tomou conta, e que até o presidente não colabora para tentar acalmar os ânimos?
GERALDO ALCKMIN – Eu vejo que as reformas que são extremamente importantes não avançaram a contento. Por exemplo, a reforma política, que é a mãe das reformas e praticamente foi abandonada. Não avançou. Temos um dos melhores sistemas de apuração eleitoral do mundo. Você faz uma eleição para presidente da República que termina às 17h e às 19h você já sabe quem ganhou a eleição. Mas temos um dos piores sistemas partidários. São 35 partidos, e o presidente ainda está criando mais um, a Aliança. Daqui a pouco vamos chegar a 40 partidos políticos, e isso é muito ruim.

O que o Brasil precisa é de boas instituições. E na democracia, uma dessas instituições são os partidos. Veja que nos Estados Unidos são dois partidos, os Democratas e os Republicanos. Nós estamos enfraquecendo as instituições. Além disso, há uma exacerbação do personalismo, que é um atraso. Você enfraquece instituições e estimula o personalismo. E uma incivilidade, um retrocesso civilizatório. A política é o debate, a política bem feita é necessária.
Cinco séculos antes de Cristo, os gregos já se reuniam nas praças, para discutir o futuro, as melhores soluções, e isso implica civilidade. Não pode ser tomada a crítica como ofensa. Você faz uma crítica ao governo e já xingam a pessoa. Santo Agostinho já dizia: “prefiro os que me criticam ou que me corrigem aos que me adulam, porque me corrompem”. Um governo inteligente, um governo moderno, se aproveita da oposição, porque ele corrige rapidamente os possíveis equívocos. Um governo moderno está permanentemente ouvindo e interagindo com a população.
Nós estamos vivendo um período muito ruim de beligerância. E a marca do governo é uma confusão, que não se entende. Qual é a proposta de reforma tributária? Ninguém entende. A não ser criar mais imposto, que é a CPMF. Não tem sentido nisso. A economia não reage. Não é possível que o mundo cresce 4% ao ano, os países emergentes crescem mais de 5% e o Brasil cresce 1%. Quer dizer, não está saindo do lugar.
RICARDO ANTUNES – O senhor está lembrando o crescimento da época de Lula, de 7%…
GERALDO ALCKMIN – Em 2010, eu dizia, Ricardo, que a eleição municipal não é de esquerda nem de direita. É local. É sobre a cidade estar bem cuidada, não ter buraco, se está limpa, se está bem iluminada. Se os serviços públicos estão funcionando a contento, a saúde, a educação, o sistema de transporte. Já na eleição nacional, a economia pesa muito. Porque se você não tem crescimento, se tem pouco emprego e a renda cai, você tem um mau humor enorme. Porque o Lula elegeu a Dilma em 2010? É só olhar, o PIB cresceu 7,6% ao ano. Você tinha uma sensação melhor. Então aí pesa mais a questão econômica. Eu vejo que nós deveríamos aprofundar mais a questão da reforma política, menos partidos, mais programáticos, voto distrital misto, campanha mais barata no distrito. Isso vai poder diminuir o personalismo. Também democratizar os partidos. Hoje no Brasil os partidos são cartórios, cada um é dono de um. E mantidos com dinheiro público.

RICARDO ANTUNES – E ainda tem a questão do fundo eleitoral…
GERALDO ALCKMIN – Exatamente. Por que o Bolsonaro e o Bivar brigaram? São R$ 110 milhões por ano de fundo partidário, fora o fundo eleitoral. Em quatro anos, dá quase meio bilhão de reais. Para quê? Para alugar uma sala e pagar uma secretária? É inacreditável. O sistema presidencialista, do jeito que está concebido, é um sistema de crise.
RICARDO ANTUNES – O senhor, no caso, é parlamentarista?
GERALDO ALCKMIN – Sim, claro. Aliás, o PSDB é um partido que defende o parlamentarismo. Observe Portugal. A economia portuguesa está crescendo espetacularmente bem. Tem um sistema parlamentar. O presidente da República não é a rainha da Inglaterra, ele é eleito pelo povo e tem atribuições. Mas a chefia de governo é do primeiro ministro. Então você não tem um sistema engessado. Você tem um sistema mais dinâmico.
RICARDO ANTUNES – Nas últimas eleições, houve um recado da sociedade que não votou no PT e escolheu um candidato que nunca tinha administrado nada. Assusta essa reação dessa parcela da população, de estar contra as instituições como o próprio Congresso e o Supremo Tribunal Federal?
GERALDO ALCKMIN – A população não está contra as instituições. Não vejo dessa forma. Você tem algumas pessoas tentando desmoralizar as instituições, o que é muito ruim para o Brasil. Se você verificar os países que vão melhor e os que não vão tão bem, a diferença é que os países que vão melhor têm instituições muito sólidas. As pessoas passam, as instituições ficam. Por isso é importante aprimorar as instituições. Não existe democracia sem Legislativo. Você tem é ditadura, e ditadura não dá o pão que prometeu nem devolve a liberdade que tomou. Os países mais prósperos do mundo são todos democráticos, enquanto as ditaduras são os países mais atrasados, onde o povo é mais empobrecido. Você vê isso claramente, tanto na direita quanto na esquerda. O que precisamos é aprimorar a democracia brasileira. E para isso, a reforma política é necessária.
RICARDO ANTUNES – Como o senhor vê essas manifestações de grupos para o dia 15 de março, defendendo o fechamento do Congresso e do STF?
GERALDO ALCKMIN – Bom, se o governo defende fechar o Congresso, por que disputou a eleição? Se você pediu o voto popular, é sinal de que você acredita na democracia. Não tem o menor sentido, eu não dou importância para isso. O que eu acho ruim é que daqui a pouco termina o ano e já está no final do mandato.

RICARDO ANTUNES – E nesse ano ainda temos eleição municipal…
GERALDO ALCKMIN – Não deveria interferir, até porque eu acho que a eleição municipal vai ter uma decisão local. E não terá reflexo nacionalmente. As pessoas dizem isso às vezes, de que quem ganhar a eleição na capital vai ganhar o governo estadual, não tem nada a ver. São coisas totalmente distintas. Eleição local, seja numa cidade pequena ou na capital, é o tema da cidade. E não vai pesar nem apoio e nem partido. Pesa a confiança da população no candidato. Os partidos estão extremamente fragilizado. E quando você tem 35 partidos, você tem na verdade legendas.
RICARDO ANTUNES – No caso do presidente, o jeito como ele se mexe, o senhor acha que tem a ver com a alta do dólar?
GERALDO ALCKMIN – Temos duas coisas atrapalhando o Brasil. Uma é mundial, não é nossa, que é o temor com as consequências do coronavírus. Você tem um risco de uma pandemia de uma doença por um vírus novo, não existe vacina, não existe tratamento, a China foi fortemente afetada e é a segunda maior economia do mundo, e isso tem impacto na economia mundial.

A Europa também tem o risco, o Brasil tem muitos casos já. Então, essa fuga de capital e o aumento do preço do dólar, que pode levar à inflação, é muito da crise global, um temor no mundo de que a economia possa ter um crescimento mais baixo.
A outra é o nosso ambiente local. É a confusão do governo, que não se entende ao invés de trabalhar naquilo que interessa ao povo brasileiro, que é uma agenda de competitividade. Se você pegar da década de 1930 a 1980, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo. Nós crescemos durante 50 anos uma média de 5% ao ano. Quando fui prefeito, na década de 1970, o Brasil crescia 12% ao ano. Você estava na faculdade e podia escolher três empregos.
De 30 anos para cá, o Brasil cresce pouco, e quando cresce é numa média de 2%. Éramos um país pobre, passamos a ser um país de renda média e ficamos amarrados sem conseguir dar um novo passo. O Brasil é um país caro para quem vive aqui, o povo não tem dinheiro para consumir, é tudo muito caro. Veja o preço do automóvel para quem está aqui e para quem está no México, é praticamente a metade do preço lá. É muito caro para quem vive no Brasil e caro para exportar. Você só consegue exportar produto primário, minério de ferro e soja, mas não consegue exportar manufatura.
RICARDO ANTUNES – E o que precisaria fazer para tentar aliviar essa questão?
GERALDO ALCKMIN – Eu defendi da campanha presidencial uma agenda de competitividade. Por quê o Brasil é tão caro e perdeu competitividade? Primeiro o custo do dinheiro. Nós temos cinco ou seis bancos, os Estados Unidos têm cinco mil. O dinheiro aqui é muito caro.
Quando você compete, o povo ganha, porque as coisas ficam mais baratas. Você vê que tem um decreto presidencial que para entrar um banco estrangeiro precisa de autorização do presidente da República. O governo federal está tomando atitudes. É necessário reduzir os juros, o custo do capital. Hoje o juros do mundo é zero, quando não é negativo, e você não consegue competir. Segundo, logística. O Brasil é um país continental, precisa ter infraestrutura, ferrovia.
Veja a Transnordestina parada. Não tem ferrovia, não tem integração de modais. E por fim, a burocracia. Temos uma herança cartorial, cultural. É o país do selo, do carimbo, do protocolo. É uma burocracia absurda, precisa simplificar as coisas, reduzir custos. Além de que você precisa de educação básica, de qualidade, e também da abertura econômica para poder dar um choque de competitividade. E estamos discutindo bobagens, se menino deve usar azul e menina rosa, acabar com o comunismo, essas diferenças ideológicas que estão quase desaparecendo no mundo.
A China que é comunista está abrindo a economia, e os Estados Unidos que são a sede do capitalismo querendo fazer muro para ninguém entrar e fechar a economia. A Inglaterra querendo se isolar. Essas diferenças ideológicas diminuíram, o que é uma prova de amadurecimento. Coisas que antigamente eram motivo de briga, hoje não devem ser mais. Então, tem um pauta importante pela frente a ser vencida e o governo perde tempo com muita futrica e intolerância. A crítica não é à pessoa física, é à pessoa jurídica e não pode ser levada como ofensa. O governante deve ser criticado, porque a crítica corrige e você aprimora as instituições.
