Por Tales Faria, do UOL – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) precisa mudar rapidamente o seu modo de agir em relação ao Congresso para evitar o risco de impeachment. O conselho é de quem já foi obrigado a deixar o Palácio do Planalto em meio a um processo de perda de mandato, o ex-presidente Fernando Collor de Mello.
“É necessário que ele perceba que há essa possibilidade e que mude rapidamente o seu modo de agir”, disse o atual senador pelo Pros de Alagoas, em entrevista ao UOL e à Folha de S.Paulo, na tarde chuvosa da última quarta-feira (4).
Ele lembrou os erros que cometeu quando eleito em 1989 como o mais novo presidente da história do Brasil, aos 40 anos de idade. Para Collor, Bolsonaro está embarcando nos mesmos erros.
É um filme que eu já vivi. E eu cometi esses equívocos também em relação à minha base parlamentar. Eu não dei a atenção devida a isso | Fernando Collor de Mello, Senador (Pros-AL)
Segundo ele, quando os políticos estão desagradados com o presidente, eles arrumam argumentos jurídicos para resolver o problema. “O Congresso é muito versátil em encontrar meios para impedir que um certo governante continue”, diz.
Outro erro apontado por Collor são as declarações públicas de Bolsonaro e auxiliares. Ele lembra casos recentes, como a possibilidade de reedição do AI-5 aventada pelo ministro da economia, Paulo Guedes, e pelo filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
“Eles estão, no fundo, pensando nisso. Pensam nisso no momento em que não há, por parte do presidente, uma repreensão imediata”, afirma.
E aponta que o mercado vê da mesma forma: “É isso o que prejudica também o andamento do governo na questão política e que interfere, no final, na questão econômica.”
O ex-presidente acredita que, graças a essa “gestão claudicante” e ao “liberalismo extremado” da equipe econômica, o governo “vai começar a enfrentar dificuldades com as medidas que enviou ao Congresso”.
Collor diz ainda não gostar da política ambiental do atual governo. Afirma estar havendo “um brutal retrocesso”.
Também critica a polarização entre bolsonaristas e petistas. “Estamos vivendo aí uma volta à força bruta”, afirma.
E diz que não voltaria a apoiar uma candidatura ao Planalto do ex-presidente Lula, como já fez no passado.
Ele se considera, hoje, uma “pessoa mais aprimorada” do que quando eleito em 1989.

A invasão da Folha de S.Paulo
Nesse clima de revisão do passado, Fernando Collor de Mello relembra até mesmo o episódio de invasão do prédio do jornal Folha de S.Paulo pela Polícia Federal, em março de 1990, na sua primeira semana de governo.
O ex-presidente admite que houve a invasão, mas se diz contrário ao que ocorreu. Atribui a uma iniciativa dos próprios policiais.
Collor dá sua versão para os acontecimentos como uma explicação para o que considera falta de controle do Ministério Público e da Polícia Federal. Eis o relato que fez na entrevista:
“O Ministério Público se atribuiu competências que a Constituição de 1988 não lhe dá. E resultou que nós hoje estamos apurando interceptações telefônicas, conversas de juízes com membros do Ministério Público e da Polícia Federal que não são em nada apropriadas e não estão de acordo com um Estado democrático de Direito.
Do mesmo modo, a Polícia Federal ficou sem controle. Ocorreu um episódio comigo no meu governo, por exemplo, em 1990, na primeira semana de governo [que é ilustrativo].
Fui alertado pela ministra da Economia [Zélia Cardoso de Mello], que me ligou. Ela disse: ‘Presidente, o senhor mandou invadir a Folha de S.Paulo?’ Respondi: ‘Eu? Invadir a Folha de S.Paulo? De jeito nenhum!’
E ela: ‘Porque a Polícia Federal está na Folha de S.Paulo fazendo uma devassa. Sei lá o nome que se dá a isso.
Uma operação sobre as contas da Folha de S.Paulo.’ Então perguntei a Zélia: ‘Você já falou com Bernardo?’ Me referindo ao Bernardo Cabral, ministro da Justiça, a quem está subordinada à Polícia Federal. ‘Isso não’, disse ela.
Falei: ‘Então deixe comigo.
Aí liguei para o Bernardo. Disse: ‘Ministro, o senhor está sabendo o que está acontecendo na Folha? O senhor determinou isso? Ele respondeu: ‘Não. De jeito nenhum.’ E eu: ‘Então vamos falar com o Romeu Tuma, que era o diretor-geral da Polícia Federal.’
Liguei para o Tuma. Perguntei: ‘Vem cá, doutor Tuma, o que está acontecendo com a Folha? A Polícia Federal está dentro da Folha. O senhor determinou que isso acontecesse?’ Ele disse: ‘Não, não determinei.’ Eu perguntei ‘E como é que eles tomam essa atitude?’ Tuma respondeu: ‘Não! Vou mandar recolher isso imediatamente, parar com isso.’
Quer dizer, então, que desde aquela época já havia essa absoluta desenvoltura de um órgão como a Polícia Federal. Toma a iniciativa de atitudes como essas sem que o governo, sem que o Executivo tomasse consciência.
E o que resultou disso é que até hoje eu sou culpado por ter determinado a invasão do órgão de imprensa. Eu, que sou jornalista de quatro gerações e que prezo o jornalismo, que prezo o trabalho do jornalista, prezo as empresas de jornalismo e todos aqueles que fazem jornalismo. E que entendo perfeitamente o papel da imprensa no Brasil, em qualquer lugar do mundo.
Então é uma demonstração evidente de que isso que aconteceu lá atrás, há 30 anos, continua acontecendo hoje. Com a Polícia Federal agindo dessa forma. São esses excessos que vêm sendo cometidos, tanto no que diz respeito às ações do Ministério Público como às da Polícia Federal, que precisam de alguma forma de freios. É o balanço, os freios e contrapesos que precisam ser aplicados nas ações dessas duas instituições.”