Por André Beltrão — É um fato na natureza humana que os pais desejem ou sonhem com o melhor para seus filhos, principalmente no que diz respeito a segurança financeira. Que os filhos percorram o caminho que os pais fizeram na vida profissional e realizem os sonhos que eles pais não puderam alcançar ou que mesmo continuem o legado de sua atividade de trabalho bem sucedida. Existem os pais que desejam que seus filhos sejam advogados, engenheiros ou médicos de sucesso. Há aqueles que sonham com os filhos sendo grandes e poderosos empresários. É o famoso herdeiro.
Na política não é diferente. Seja pelo cansaço da idade, seja pela imagem desgastada por décadas exercendo cargos no parlamento e no exercício da atividade executiva, a imagem do político tende naturalmente a se desgastar. Além do cansaço da idade. É o que se chama fadiga de material. Nesse momento os políticos mais velhos saem em busca de um herdeiro com imagem renovada ou nova. Para isso nada melhor do que projetar essa imagem idealizada no filho. Assim os políticos querem fazer dos seus filhos os sucessores naturais.
O poder real de mandar através de um cargo executivo é sempre o objeto do político. Esse fenômeno psicológico na política pode ter várias explicações: o desejo que o filho ocupe um cargo maior do que o pai não conseguiu, como governar o Estado ou prefeitura de sua capital. Também pode ser pelo controle que o pai pensa exercer sobre o que o filho faz. Assim como evitar o risco de traição, tão comum na política ou até mesmo não ter outra opção senão buscar um nome no seio da família.

Em Pernambuco a tradição do herdeiro familiar tem sido recorrente na História. Nas últimas décadas esse fenômeno tomou uma dimensão exagerada. Alguns políticos radicalizaram na busca de um sucessor familiar e literalmente colocam todos os filhos na política. A explicação talvez seja para testar aquele filho que terá mais sucesso. Ou então para garantir um futuro financeiro seguro para todos. Chega a ser curioso e atípico que somente no Brasil acontece o fenômeno de todos os membros de uma família serem vocacionados para a política. É filho como deputado federal, deputado estadual, filho vereador e filho prefeito. Ainda bem que na classe rica e na classe média o número de filhos está diminuindo por família. Senão faltariam cargos para os filhos, irmãos, tios e primos.
Penso que sequer esses pais perguntam aos seus filhos se é isso que eles desejam para si. Sabemos que a atividade política não é fácil, tem prazo de validade e exige dedicação integral, inclusive com perda da privacidade pessoal e familiar. Por essa razão a política pode causar grandes frustrações e decepções. Conheço um filho de um politico que pediu ao pai para deixar de ser deputado e voltar para sua atividade empresarial bem sucedida onde era feliz.
Lamentavelmente a política tornou-se um meio de vida ou de sustento para algumas famílias. Em vez do filho ser advogado, médico, engenheiro ou empresário, na atividade política o dinheiro público parece exigir menos esforço, ser seguro, em maior quantidade, nunca acabar e garantir um bom futuro para todos. O fato é que as pessoas estão vendo a política como uma atividade profissional e não como uma atividade de representação de interesse público para servir ao povo. Em vez de servirem a comunidade, essas pessoas se servem da política. Algumas dessas famílias fracassaram na atividade empresarial para administrar uma lanchonete e estão tendo sucesso na atividade da política. Serve de consolo constatar que essas famílias encontraram sua vocação. Na cultura de ganhar a vida na política, assistimos muitos casos de enriquecimento de políticos. Todos os dias os meios de comunicação divulgam um escândalo de corrupção, de roubo, formação de quadrilha e enriquecimento ilícito. Outro dia um ex-prefeito teve a falta de pudor de declarar publicamente que roubou menos do que o seu sucessor. O empreendimento da moda e que podemos chamar de grande negócio, é hoje no Brasil ter um partido político que seja seu, por causa do milionário fundo partidário anual e do fundo eleitoral a cada 2 anos.

Na clássica obra-prima de Ciência Política, o jurista Raimundo Faoro aborda o tema do patrimonialismo na política brasileira. O conceito de Patrimonialismo foi desenvolvido por Max Weber e tem como principal característica não existir distinções entre os limites do público e do privado. O Estado se torna um patrimônio do seu dirigente, da elite do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do poder econômico. É assim como muitas famílias no Brasil se comportam em relação ao Estado.
No Brasil, a decisão de fazer familiares políticos tem criado criações folclóricas e exageros absurdos. Um senador chegou a afirmar sem nenhum constrangimento para um Presidente da República que gostaria que o irmão fosse ministro e ingressasse na política, porque até aquele momento tinha fracassado em todos os empreendimentos profissionais privados. Isso quer dizer que o sujeito não faz nada de útil na vida e a família decide que ele deve ser político. Outro senador fez seu 1º suplente o pai com quase 90 anos de idade, possuidor de uma saúde precária e já com funções básicas como ouvir e enxergar debilitadas. O pobre homem assumiu o mandato e o exercia com todas as limitações que a idade tem. Outro senador, questionado por que empregava a mulher no gabinete, justificou afirmando que os cargos de gabinete eram de confiança e ninguém mais de confiança pra ele do que a mulher com quem dormia na mesma cama.
Na eleição desse ano para prefeito e vereador, mais uma vez esse fenômeno está se repetindo. É a mãe que solitariamente, numa atitude dinástica decide que o filho deve ser candidato a prefeito para continuar a herança política paterna. São deputados federais e estaduais lançando esposas, filhos, pai e irmãos candidatos a prefeito e vereador. É importante dizer que somente o eleitor, quando exerce seu direito de votar a cada 2 anos, pode transformar essa absurda, escandalosa, indecente e surreal realidade da nossa política, excluindo as pessoas que consideram a política como propriedade e sustento financeiro familiar. Senão continuaremos sendo meros espectadores ou atores coadjuvantes da demorada construção de um Brasil melhor.
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*André Beltrão é jornalista e articulista do blog