Por Reinaldo Azevedo – Posso antecipar aqui o desfecho desse imbróglio envolvendo Sergio Moro e o presidente Jair Bolsonaro, a menos que o ex-juiz tenha entregado à Polícia Federal uma bomba secreta ou de efeito retardado? Não vai dar em nada. Nem para um lado nem para o outro. A ser como está escrito na íntegra do depoimento, o que prometia ser um estrondo é só um conjunto de ais… E não! Isso não quer dizer — é bom não misturar as bolas — que Alexandre de Moraes tenha agido mal em conceder liminar suspendendo a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. Vamos devagar.
Quando Moro passou ao Jornal Nacional a tela de sua conversa com o presidente, ficou no ar a suposição de que ali estava apenas o aperitivo de uma avalanche de provas. Segundo se depreende do material divulgado, era o ápice da interferência de Bolsonaro. Sim, uma interferência, reitere-se, claramente vinculada à investigação de deputados de sua turma. Para ser ainda mais claro: ele pede a mudança no comando da PF porque insatisfeito com o fato de que deputados ligados a ele estavam sob investigação.
Há uma reserva de pudor até mesmo quando se é o “Mito”. Mais claro do que isso, só mesmo escrevendo algo assim: “Troca o comando porque eu quero preservar os meus amigos”. Disse a mesma coisa com outras palavras. Logo, o desvio de finalidade na nomeação de Ramagem estava caracterizado.
Mas, tudo indica (sempre ressalvando a hipótese de haver algo subterrâneo), Moro não tem muito mais do que aquilo. Todo o resto é mais do mesmo, mas de ainda mais baixa potência. Por que mais baixa? Porque, antes, segundo o depoimento, o presidente não ligava a substituição de cargos de direção a nenhuma investigação em particular. Limitava-se a dizer que queria ter informações, dados de inteligência.
No depoimento, Moro afirma que os tais dados de inteligência eram, sim, repassados. Mais: Bolsonaro queria ter diálogo com os policiais federais que exerciam cargos. Quais? Não fica claro. Resta a ilação, mas não mais do que isso, de que queria um canal aberto para poder exercer pressão sobre os profissionais da PF.
Moro está tomando cuidados. No seu depoimento, deixa claro que não acusou o presidente de nenhum crime. Ao chamar a atenção para tal fato, tenta livrar-se, de saída, das eventuais imputações de prevaricação, denunciação caluniosa e crimes contra a honra. Insiste que quem falou em investigação de crimes foi o procurador-geral da República, Augusto Aras, não ele próprio. De sua boca, teriam saído apenas palavras indicando a pressão que considerava indevida.
É estratégia, mas também é recuo em relação à postura inicial de seu pronunciamento. A verdade é que o ex-ministro fez a aposta errada. Tantos anos lidando com um MPF subserviente às suas vontades, do qual ele era, na prática, chefe, o fizeram descuidado. Ele apostou que Aras fosse ficar em silêncio, no esforço de proteger o presidente da República.
E, se querem saber, até acho que o procurador-geral quer, sim, proteger Bolsonaro, mas a melhor forma de fazê-lo é cobrando a investigação. Porque não se vai chegar a crime nenhum daqueles tipificados no Código Penal. O desvio de finalidade numa nomeação não é um deles. Lutar para nomear um amigo também não. Ter a intenção óbvia, mas não explicitada, de proteger amigos de investigação idem. Mesmo a obstrução de investigação, prevista na Lei 12.850, também é hipótese cediça. Cadê a prova da obstrução?
Moro afirmou que os ministros militares palacianos sabiam das pressões. Aras, então, cumpre a sua função, mas também protege o presidente ao solicitar ao Supremo o depoimento da trinca, devidamente autorizado por Celso de Mello. Assim, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) e Braga Netto (Casa Civil) serão ouvidos pela PF. Devem endossar a narrativa do ex-ministro sem que, com isso, comprometam minimamente o presidente na esfera penal. Muito pelo contrário!
Concluído o inquérito, temos o seguinte: Augusto Aras não verá indício nenhum de crime para oferecer denúncia contra Bolsonaro ao Supremo e vai remeter à primeira instância do MPF o caso Moro para que se avalie se há indício de cometimento de algum ilícito. O procurador designado chegará à conclusão de que não. E pronto!
Terá sido muito barulho por nada, ainda que o episódio todo nos remeta à cloaca da República. Aquele que se fez o paladino da Justiça com a Lava Jato, apelando aos métodos mais heterodoxos na construção de sua própria carreira política, foi atraído para a esfera do poder e, ora vejam, triturado por ela.
Afinal, sua força estava em recorrer a expedientes rigorosamente marginais da Justiça, fora do regramento do estado de direito, sendo, no entanto, tolerado e aplaudido porque representaria uma causa: a caça aos corruptos. Bolsonaro o atraiu, arrancou o sumo e jogou o bagaço fora.
A cada vez que alguém se lembrava de defender o estado de direito contra os arreganhos autoritários de Moro, o vivente era obrigado a ouvir: “Querem acabar com a Lava Jato!” A turba que ia para a rua protestar contra o Supremo e contra o Congresso, com uma pauta tão antidemocrática como a de domingo passado, mas em apoio a Moro, chama-o agora de “traidor”.
Se isso é tudo, Moro prometeu a Montanha e pariu um rato. E, ora vejam, ele, sim, acabou com a Lava Jato. Isso nada tem a ver com a evidência de desvio de função na nomeação de Ramagem, que estava dada.
Ironizando certa feita as evidências trazidas à luz pelo site The Intercept Brasil, que indicavam que Moro havia agido de modo impróprio, quando não ilegal, em sua parceria com o Ministério Público Federal, o então ainda ministro escreveu no Twitter: “Parturient montes, nascetur ridiculus mus”: Tradução: “Os montes parirão, e nascerá um ridículo rato”. É frase do poeta latino Horácio. Ainda voltarei ao tema. Foi o que a suposta montanha de Moro deu à luz no sábado: um rato.