Por Luiz Roberto Marinho — Enfrenta obstáculos práticos tornar possível a iniciativa de dois senadores do Norte, região de maior escassez de voos no país, para abrir os voos domésticos a companhias aéreas estrangeiras, questão discutida há pelo menos oito anos no governo e no Congresso.
Sérgio Petecão (PSD-AC) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) são, respectivamente, autor e relator de projeto de lei determinando a medida, pronto para ir à votação na Comissão de Relações Exteriores e Segurança Nacional (CRE).
A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) assinala que uma das razões da menor frequência de voos para a região norte, principal motivo da iniciativa de Petecão, apoiada por parecer de Randolfe ao projeto, é de que, por razões logísticas, o querosene de aviação (QAV) é 7,5% mais caro no norte do que a média nacional.
O QAV representa no Brasil 40% dos custos das empresas aéreas e está no centro das discussões de um socorro financeiro do governo às companhias de aviação brasileira, com a criação de um fundo de R$ 6 bilhões.

O site ProntopraVoar alinha, entre as dificuldades práticas da abertura de voos domésticos a empresas estrangeiras, além do alto custo do QAV, a pouca disponibilidade, por parte delas, de assentos e aeronaves para operar no Brasil e a necessidade de instalar infraestrutura e pessoal de atendimento no país.
Com apenas dois artigos, o projeto de lei 4.715/2023 acrescenta parágrafo único ao artigo 216 do Código Brasileiro de Aeronáutica para determinar que “ os serviços aéreos de transporte doméstico poderão ser executados por empresas estrangeiras autorizadas pelo Poder Executivo, em rotas específicas, por razões de utilidade pública ou interesse nacional, independentemente de reciprocidade.”
Se aprovado na CRE, o projeto segue para a Comissão de Infraestrutura, em caráter terminativo – isto é, se aprovado também na CI, vai direto ao exame da Câmara dos Deputados, sem passar pelo plenário do Senado.
Vigente desde 1976, o Código Brasileiro de Aeronáutica estabelece que os serviços aéreos de transporte doméstico são exclusividade de empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no país.

Na justificação do PL 4.715/2023, Petecão aponta a necessidade de maior concorrência, diante de um mercado oligopolizado, com somente três grandes companhias operando – Latam, Gol e Azul – e o grande déficit logístico existente hoje na região norte.
“Justamente as regiões que mais dependem de meios de transporte de longa distância têm baixa disponibilidade de voos, o que resulta em grande dificuldade de conexão com o resto do Brasil”, escreve o senador do Acre.
Parlamentar de esquerda – e, portanto, avesso ao capital estrangeiro em alguns segmentos da economia e defensor de reservas de mercado -, Randolfe justifica sua aprovação ao projeto de lei argumentando que não haveria concorrência desleal com as três grandes empresas brasileiras.
“Não seria uma abertura descontrolada e imotivada, com as empresas estrangeiras optando por ingressar nos mercados mais lucrativos ou em rotas sazonais. Isto não ocorrerá, pois o Poder Executivo manterá o controle e estabelecerá rotas específicas pautadas por utilidade pública ou interesse nacional”, diz em seu parecer o relator do PL 4.715/2023.
Segundo Randolfe Rodrigues, países como Austrália, Chile e México permitem que companhias aéreas de fora operem suas linhas domésticas. “A carência de voos ao norte do país é notória e tanto é verdade que, entre as dez maiores taxas de ocupação de aeronaves em rotas nacionais, estão Campinas-Porto Velho (89,23%), Belém-Campinas (87,89%) e Belém-Belo Horizonte (86,7%)”, justifica ele ainda.