O recurso do MPF foi interposto contra decisão da primeira instância da Justiça Federal em Pernambuco, que se declarou incompetente para julgar os crimes de dispensa indevida de licitação e peculato, declinando o caso para a Justiça Estadual, bem como declarou incompetência territorial para apreciar crimes contra a ordem tributária, alegando que competiria à Seção Judiciária de São Paulo.
A decisão da 2ª Turma do TRF5 seguiu os termos do voto do relator do processo, desembargador federal Paulo Machado Cordeiro.
São alvos da denúncia do MPF, assinada pelos procuradores da República Cláudio Dias e Silvia Regina Pontes Lopes:
- o ex-secretário de Saúde do Recife Jailson de Barros Correia;
- o ex-diretor executivo de Administração e Finanças da Secretaria de Saúde do município Felipe Soares Bittencourt;
- a ex-gerente de Conservação de Rede da Secretaria de Saúde do Recife Mariah Simões da Mota Loureiro Amorim Bravo;
- os empresários Juarez Freire da Silva, Juvanete Barreto Freire e Adriano César de Lima Cabral.

No recurso, os procuradores da República Cláudio Dias e Silvia Regina Pontes Lopes defenderam que a falta de transparência na aplicação de recursos durante a pandemia inviabiliza a rastreabilidade ampla e prévia dessas verbas por órgãos federais, inclusive os de persecução criminal (MPF e Polícia Federal), ensejando violação ao interesse federal, e a competência da Justiça Federal, como prevê a Constituição da República.
“Com efeito, não há de se restringir a discussão da competência federal, limitando-a a uma questão eminentemente ‘patrimonial’, sob pena de se aglutinar o sentido jurídico-normativo da expressão ‘em detrimento de interesse federal’, constante do art. 109, IV, da Constituição, convertendo-o em mera repetição da expressão ‘em detrimento de bens da União’, o que, em escorreita hermenêutica constitucional, não se afigura assertivo”, declararam os procuradores da República.
Também destacaram que o contexto dos fatos das investigações revelam o interesse da União, em razão do cofinanciamento bilionário mediante repasse de grandes recursos aos entes subnacionais para o enfrentamento da pandemia, bem como a interoperabilidade das contas que financiam os gastos, notadamente os de média e alta complexidade no enfrentamento da covid-19.
Defenderam, ainda, que a mudança do financiamento de gasto do Fundo Municipal de Saúde para empréstimo da Caixa Econômica Federal contraria o gerenciamento de bens e interesse de empresa pública federal, ensejando por este argumento, da mesma forma, a competência da Justiça Federal para processamento do feito.

Gasto bilionário
Somente no município do Recife, a União cofinanciou as ações de saúde, auxílio e combate à covid-19 em valores que superam R$ 1 bilhão. O MPF também destacou manobras contábeis dos gestores denunciados, que teriam ocultado e alterado as fontes de custeio das aquisições dos respiradores, de forma a dificultar a atuação dos órgãos federais de controle.
O MPF reforçou que houve uso de verbas do SUS, o que atrai a atribuição fiscalizatória da União e que a aplicação desses recursos, incluindo os estaduais e municipais, está sujeita à fiscalização do Sistema Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus).
O MPF também argumentou que a Lei Federal 8.080/90 estabelece que compete à direção nacional do SUS definir e coordenar, dentre outros, os sistemas de redes integradas de assistência de alta complexidade – caso das aquisições alvos da denúncia.
Conforme argumentaram os procuradores da República, os recursos transferidos para a Juvanete Barreto Freire ME foram oriundos do Fundo Municipal de Saúde, vinculados ao SUS. Além disso, segundo as apurações, do total pago por esse fundo em 2020 para o enfrentamento da pandemia, a maior parte dos gastos foi de recursos federais.