Por Suzana Lopes Cavalcanti e Leila Cristina Gomes Alencar — O que significa ser feliz? A resposta para tal questão atravessa a história em constante ressignificação, pois apresenta-se aberta a múltiplas e distintas considerações; todas elas comuns à maneira com a qual vivemos e nos relacionamos nos espaços de convivência. Para algumas pessoas as coisas mais simples traduzem o estado de felicidade e, em outros casos, há de se considerar uma certa dose de complexidade para acessar o contentamento com a vida.
A resposta frenética à carga de trabalho exigida para se manter no padrão, este imposto pelo tempo do sistema capitalista; a cessão narcísica de exposição da imagem replicada on-line repetidas vezes para atender aos apelos das mídias sociais e de consumo, tão bem assimilados e naturalizados na “sociedade do espetáculo” (DEBORD, 1997) – entre outras formas de opressão social -, arremessam-nos a uma cadeia de ativismo nervoso e limitador em relação à possibilidade de romper a contemplação alienante e poder viver a autenticidade e a criticidade da vida.
Tal alienação é potencializada pela competição e pelo isolamento em níveis geradores de estresse, ansiedade, depressão e de inúmeros outros adoecimentos.

O contexto referido encontra justificativas simplistas não só na meritocracia, como também no padrão de sucesso e de reconhecimento social apontados como metas à vida pessoal e estudantil/profissional endurecida por falta de tempo ou submetida pela incapacidade de autocontrole consciente também do tempo. É válido destacar o fato de que tais justificativas e consequências encontram eco há tempos, bastante anteriores à atual pandemia. Hoje, esse cenário encontra-se ampliado em complexidade.
O referido padrão imposto pelas mídias sociais responde à exploração sem pudor orquestrada pelo mercado de capital a encontrar legitimidade nos contextos familiar e escolar, entre outras instituições sociais fundamentais à formação das juventudes, estas confrontadas com a falácia sobre a seguinte premissa senso comum:
Caso a pessoa não corresponda ao padrão estabelecido e apresente sintomas de ansiedade e depressão; dificuldades no desempenho acadêmico; problemas com a autoimagem e propensão à evasão nos cursos, entre outros efeitos, essa pessoa precisa reconhecer tais sintomas, problemas, dificuldades como problemáticas pessoais.
Entretanto, importantes resultados de pesquisas provocam reflexões críticas a desinstalar falsas crenças e a indicar um novo paradigma, isto é, uma perspectiva holística de vida em prol do autoconhecimento e do discernimento acerca, por exemplo, de que as taxas de depressão e de ansiedade convocam a sociedade contemporânea a buscar resoluções ao equilíbrio entre o desenvolvimento da razão e da emoção, entre a alegria de aproveitar a vida e o compromisso com as responsabilidades.

Assim, é indispensável a garantia de espaço a questionamentos do tipo: qual a importância do espaço e do tempo acadêmicos para a discussão acerca da felicidade interior, da harmonia social e da relação equilibrada com o meio ambiente? Responder a tal questão exige o reconhecimento da necessidade de ferramentas estratégicas ao viver em um cenário complexo e multifacetado ora disponível.
As tentativas exitosas a nos robotizar precisam ser contrapostas com programas e projetos inovadores e arrojados, materializados por meio de espaços à reflexão crítica e criativa, capazes de fomentar a qualidade de vida também no ambiente acadêmico.
A realidade instável e inédita nas relações interpessoais, o impacto na saúde mental decorrente do estresse ampliado no cotidiano em plena pandemia, são fatores a lançar luz nas fragilidades de um currículo robusto em disciplinas com uma estrutura enrijecida no ensino, porém frágil para responder à urgente necessidade de ampliar ou criar proposta de acompanhamento dos projetos de vida e das dificuldades cruciais aos estudantes universitários do século XXI.
A leitura do Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, escrita para a Unesco, aborda os quatro pilares da educação e em suas palavras iniciais afirma que “Uma nova concepção ampliada de educação deveria… revelar o tesouro escondido em cada um de nós… Isto supõe que se ultrapasse a visão instrumental de educação… e se passe a considerá-la em toda a sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade, aprende a ser” (DELORS, 1999).
Após mais de duas décadas do referido documento, a perspectiva educativa a considerar a pessoa, a sociedade e a natureza em defesa de uma consciência holística, apresenta-se como uma possibilidade, a fim de garantir espaço e tempo pedagógicos a cultivar a educação e a saúde integrais.

Há um conjunto de pesquisas a demonstrar os efeitos do estresse no organismo, no corpo, na mente, nas emoções e no espírito, como por exemplo as pesquisas traduzidas em cartilhas e documentos diversos editados pela Conselho Federal de Psicologia (CFP. 2013) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (2014).
Esta, por meio de sua Comissão de Estudos e de Prevenção do suicídio, disponibiliza a produção com a temática “Suicídio: informando para prevenir”, entre outras produções. Quando o desequilíbrio assume a liderança e a pessoa se desvia de sua natureza, há grande possibilidade de perder as conexões com o essencial e cria-se espaço para adoecimentos, fugas de responsabilidades, insegurança na tomada de decisões e, na maioria dos casos, a vida se desconecta da realidade de tal forma a prejudicar as atividades de vida pessoal, estudantil e profissional.
As incontáveis implicações de uma realidade em desequilíbrio como a sociedade atual, sinaliza às instituições públicas e privadas a urgente necessidade de atualizar currículos, ampliar programas inovadores e orientados ao desenvolvimento da consciência evoluída à formação da pessoa na inteireza: razão, intuição, sensações e sentimentos.
Tal sinalização pode ser corroborada por meio das escrituras de Paulo Freire (1987), Weil (1993), Yün (2001), Mahesh Yoge (1989), entre outros a defenderem que toda experiência de vida pode se tornar aprendizagem. Cenário teórico a rejeitar o conceito restrito de educação e a alcançar o conceito ampliado de educação integrada às vivências cotidianas.

A vida profissional, estudantil e comunitária nos acomoda como em modo “piloto automático” e as conexões entre corpo, mente e espírito são bloqueadas, um estado desfavorável à fluidez da criatividade, do bem-estar e do equilíbrio emocional. As cidades e seus trânsitos tumultuados e agressivos impõem dificuldades para o ir e vir.
As dificuldades na relação com professores e entre seus pares; uma proposta de educação que se confunde com ensino e acúmulo de conhecimentos em escala exacerbada, são alguns fatores a causar picos de estresse diários na população estudantil, um quadro a afetar diretamente o desempenho acadêmico, a saúde e a qualidade de vida.
Estudantes entrevistados na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (ESPADEIRO, 2018) contribuem ao reconhecimento do espaço a ser ocupado por propostas educativas aos estudantes e as suas necessidades de reflexão-ação-reflexão, por meio de iniciativa institucional especializada.
No contexto de aprendizagem, as responsabilidades assumidas entre estudantes e professores precisam de um ambiente saudável, equilibrado a gerar uma sinergia capaz de impulsionar a vida em suas múltiplas dimensões.

O curso “Tópicos Especiais em Educação, Saúde e Felicidade” (CAVALCANTI, 2020) é uma proposta educativa que apresenta um eixo programático a responder às demandas de energias construtivas, com a finalidade de colaborar para restaurar o desenvolvimento de competências e habilidades benéficas ao aprender com alegria, equilíbrio e empenho necessários.
O Ser vive um movimento contínuo, dialético e cíclico entre motivação, tranquilidade, alegria e indiferença, raiva, tristeza, entre outros. Há disponíveis conhecimentos suficientes, traduzidos em estratégias, a desenvolver, progressiva e dinamicamente, a capacidade de encaminhar a vida com inteligência emocional, criativa e crítica em prol de uma vida pacífica e equilibrada.
Uma educação na perspectiva holística objetiva estabelecer as bases a escolhas assertivas ao encaminhamento de projetos de vida assumidos, além de orientar a pessoa à possibilidade de viver em estado de leveza e responsabilidade, amor e paz, mesmo exposta ao “círculo vicioso reforçador da autodestruição humana e planetária” (WEIL, 1993, p.56). Perspectiva a propor uma transformação corajosa à ruptura com energias destrutivas e a potencializar forças positivas para regenerar a vida.
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*Suzana Lopes Cavalcanti é Professora aposentada da UPE, jornalista, escritora e co-coordenadora do Núcleo de Educação da LETRART.
**Leila Cristina Gomes Alencar é Pedagoga. Psicopedagoga e Mestra em Ciências da Linguagem.