*Por Manoela Vasconcelos — O lançamento do IOS 14.5.1 e do App Tracking Transparency da Apple gerou discórdia entre as big techs. Enquanto a Apple apostou na defesa da privacidade e da proteção de dados dos seus usuários, as empresas que fazem da coleta de dados a força motriz do seu trabalho e da sua geração de receita, como o Facebook, se posicionaram contra a escolha da marca de permitir que os usuários autorizem, apenas caso desejem, a coleta de seus dados pelos aplicativos.
A Transparência do Rastreamento dos Aplicativos, novidade trazida pelo novo IOS da Apple, dá às pessoas o poder de escolha sobre a realização ou não da atividade de rastreamento de suas informações pelos aplicativos que utilizam. Uma vez negado o rastreamento, o identificador anônimo para anunciantes (IDFA) é desabilitado, o que impede o direcionamento de anúncios via aplicativo.
Com essa novidade, a Apple reforça a defesa da privacidade, bandeira por ela levantada desde 2019, e se mostra atenta às leis de proteção de dados que, cada vez mais, se espalham pelo mundo. Nesse sentido, o lançamento da big tech representa uma ótima aplicação de um dos fundamentos da proteção de dados elencados na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais brasileira: a autodeterminação informativa.
O fundamento em questão, por sua vez, consiste na possibilidade de cada pessoa controlar, até certo ponto, a ocorrência e a forma de uso dos seus dados pessoais pelas empresas.

A autodeterminação informativa busca, então, garantir o respeito às vontades dos indivíduos, no que toca ao manejo de suas informações pessoais. Assim, ao possibilitar que o usuário tenha o poder de escolha sobre o rastreio de seus dados pessoais, a empresa proporciona maior controle deste usuário sobre a coleta e utilização de suas informações por terceiros, o que antes era dificultado pelas empresas de tecnologia.
Por outro lado, como se sabe, boa parte das receitas dos aplicativos gratuitos advém das informações coletadas de seus usuários, uma vez que essas são transformadas em insumos para o fomento da publicidade direcionada. No entanto, ao proporcionar ao usuário a escolha de impedir o tratamento de certos dados pessoais pelos aplicativos, a Apple acabou por criar um problema para esse modelo de negócio milionário, uma vez que os aplicativos não serão capazes de utilizar os dados pessoais do usuário, caso essa seja a sua vontade, e, assim, terão suas receitas reduzidas.
Com a cultura de proteção de dados pessoais cada vez mais enraizada nas empresas e na consciência dos cidadãos, essa discussão parece estar longe de terminar no setor tecnológico. Ademais, o que pode ser afirmado, desde já, é que a escolha da Apple por utilizar a defesa da privacidade para agregar valor à sua marca tem sido reconhecida pelos usuários e está movimentando, ainda mais, o mercado de privacidade e proteção de dados mundial.
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*Manoela Vasconcelos é advogada, sócia do escritório DM&V Advogados, pós-graduanda em Direito Digital pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ – em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade – ITS. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Formada em Direito Digital pelo INSPER. Formada em Privacidade e Proteção de Dados pelo Data Privacy Brasil. Membro da Comissão de Direito da Tecnologia e da Informação e da Subcomissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/PE.