Da Redação com informações da Folha de S.Paulo – Desde março de 2023, sob a gestão do diretor-geral Enio Verri, a Itaipu destinou quase R$ 2 bilhões para mais de 120 convênios socioambientais, gastos financiados pela conta de luz de consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Críticos consideram a expansão exagerada e sem critérios claros. A página oficial da empresa não divulga detalhes completos dos acordos, e especialistas consultados pela Folha identificaram lacunas no material disponível.
Um exemplo é o convênio “Bio Favela”, firmado com o Instituto Athus, que prevê R$ 24,5 milhões para atividades educacionais, culturais e esportivas em cem favelas. A prestação de contas da compra de material esportivo levanta questionamentos. O projeto, que atende 600 jovens em 40 comunidades, formalizou inicialmente a compra de 2.100 bolas a R$ 300 cada. Posteriormente, a nota foi anulada e substituída por outra com valor de R$ 200 por unidade, aumentando a quantidade para 3.150 bolas – quase três por jovem atendido. As notas não especificam modelos ou características dos produtos, omissão considerada irregular por advogados especializados em projetos socioambientais.
Eles afirmam que detalhar características dos produtos é procedimento básico na avaliação adequada do gasto. Alguns locais até exigem que a tomada de preço e a compra de bolas sejam baseadas em características como peso, tamanho e tipo de material e proíbem a citação de marcas para não parecer compra dirigida.
À reportagem a assessoria de imprensa da Athus disse que a primeira nota fiscal foi retificada porque não trazia os valores finais corretos, obtidos após negociação que viabilizou um desconto melhor para a compra de produtos superiores, que duram mais: a bola de basquete Penalty Crossover Tam 7 e a de futsal Penalty Max 1000 Termotec XXIV.

Respectivamente, elas ficam na casa de R$ 500 e R$ 300 a unidade em lojas de produtos esportivos.
No entanto, as fotos que aparecem na prestação de contas retratam bolas de basquete Playoff IX e Penalty RX —que custam pouco mais de R$ 100. Postagens em redes sociais de novembro, que registraram a chegada das bolas a algumas comunidades, mostram crianças com esses modelos mais baratos.
Segundo a Athus, as bolas Playoff e RX que aparecem nas fotos da prestação de contas foram brindes. A entidade enviou à Folha fotos mostrando crianças em atividades com as bolas mais caras, mas com o compromisso de o jornal não publicá-las para não expor menores de idade.
Gestores de projetos esportivos, porém, estranharam tanto o número de bolas compradas quanto o tipo e o desconto.
O orçamento do convênio prevê a compra de 2.100 bolas por ano —6.300 ao todo. Profissionais da área esportiva dizem que, para atendimento anual de 600 beneficiários em 40 locais, duas vezes por semana, bastam 400 por modalidade. Não é preciso ter mais de uma bola por pessoa atendida.
Também comentaram que cada um faz projeto social com o material que consegue, mas ter tantas Crossover 7 parece exagerado. O modelo é de alta performance para atletas adultos. Por ser maior e mais pesada, pode até machucar uma criança miúda, e a mão de muitos jovens não tem tamanho apropriado para segurar uma bola dessas.
A Max 1000 está na elite do futsal. Certificada pela Fifa, é projetada para literalmente voar. Dar uma bola dessas para um jovem amador equivale a tirá-lo de uma brincadeira de kart e pedir para pilotar uma Ferrari, comparam.
As bolas apontadas como mais apropriadas para as oficinas recreativas infantojuvenis são aquelas mais simples e mais baratas, que a Athus informou serem brindes.
Os descontos obtidos também causaram espanto a quem atua no ramo. Um gestor ficou tão surpreso que usou a expressão “estourou no norte” para definir a compra: sucesso total. Foi consenso entre os especialistas consultados que o fornecedor precisa ter uma margem fora do comum para fazer o preço de R$ 200, especialmente no caso da Crossover 7.
A marca Penalty é oferecida por redes nacionais, com quem se pode barganhar em compras de grandes volumes. Porém, o fornecedor no caso foi a Cocatto Sportes – Uniformes Esportivos, de Curitiba, que apesar do nome também se prontifica a fornecer outros artigos esportivos, como tênis e bolas, se o cliente quiser.
Levantamento realizado pela Folha identificou que a empresa tem registro de ME (microempresa). Para permanecer nessa modalidade, que prevê isenções tributárias, deve ter faturamento anual de até R$ 380 mil. A venda das bolas foi mais que o dobro desse valor, R$ 630 mil.

O Outro Lado
O “Programa de Capacitação AMP 4.0”, convênio de R$ 48 milhões firmado entre Itaipu e a Associação de Municípios do Paraná, também levanta questões. Destinado a capacitar gestores em políticas públicas entre 2023 e 2025, o programa abrange áreas como autismo, alfabetização e licitações. Porém, a AMP não possui estrutura própria para oferecer treinamentos, terceirizando integralmente esta função – prática considerada irregular pelo TCU em outros contextos.
Como estatal binacional, Itaipu não está sujeita a órgãos de controle externo, respondendo apenas ao Congresso. Sua gestão possui ampla autonomia financeira: o diretor-geral pode aprovar sozinho convênios até US$ 200 mil, e com o diretor-geral paraguaio, valores até US$ 1 milhão. Estes recursos provêm da tarifa de energia cobrada dos consumidores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, mantida elevada para financiar projetos socioambientais. Em 2023, a empresa destinou US$ 450 milhões (R$ 2,5 bilhões) a estas iniciativas.
Em resposta à Folha, Itaipu afirma monitorar os convênios continuamente e justifica a escolha da AMP por sua capilaridade e natureza sem fins lucrativos. A empresa alega que a associação selecionou instituições de ensino qualificadas através de processo seletivo público, respeitando princípios de economicidade e transparência. A AMP não enviou posicionamento até a publicação da reportagem.