*Por Marcelo Cavalcanti — É incrível a carência, a busca de sentimentos, que deem sentido ao caráter gregário dos humanos. Em nome desta força, une-se, acolhe-se e, também, odeia-se, mata-se, etc.
O homo sapiens sabe que sua preponderância está fundada no sentido tribal de fraternidade. Quando habitávamos a copa das árvores, era a organização grupal que fazia a sobrevivência coletiva. Predadores e grupos rivais eram ameaças constantes. Ao descermos para as savanas, passamos a ser mais que coletores de frutos e comedores de pequenos animais arborícolas. Começou a existir, a tomar forma, o sentido das varas pontiagudas, que chamamos de lanças, extensão de nossos braços.
A civilização organizou em um nível de complexidade bem mais sofisticado, o que era primário, quase inconsciente. Hoje, enquanto humanos, olhamos para o universo como espelho de nós mesmos. Na verdade, recriamos o que está além do imediato palpável, a partir daí, urdimos, maquinamos um cosmos, que tende a se conformar com nossas teorias mais aceitas.
Às vezes, fazemos da astrofísica uma ficção, ao invés de fazer boa ficção com elementos de astrofísica e, até, de consistente especulação cibernética. É o caso do clássico do science fiction movie, “Blade Runner”, de Ridley Scott, que dota androides de sentimentos e “arrazoados” metafísicos e dá a eles consciência de si mesmos, ou, em outra abordagem: os “replicantes” que comeram a “maçã”.

Mas, tudo nasceu da vara, a lança (mais que fálica), que multiplicava a força do braço e facilitava abater presas de maior porte, com até dez vezes o peso de um homem adulto. Porém, a lança pontiaguda e, depois, a flecha, uma redução potencializada da primeira, tensionada por um arco e usada com precisão. Tudo isso dava um novo sentido de força e poder, que evoluiu e nos fez senhores da terra.
A conquista da “ciência do bem e do mal” teve o preço da expulsão do Éden, todavia, fez do planeta um novo Éden invertido, pervertido pelo contra desígnio humano. Viajamos em foguetes, vamos muito além da velocidade do som, vislumbramos enveredar pelas fissuras do espaço-tempo, desejamos colonizar outros mundos e duvidamos de nossa própria missão perante o universo.
Ah…, quanta dúvida! O consumo daquele fruto da árvore interdita nos plantou a vergonha, o opróbio, a dúvida, a inveja impregnada na sanha fraticida e originária da rebelião iconoclasta luciferina e abatida pelo libelo miguelino: “quem como Deus!!” Contudo, plantou-se a fé. Criou-se a esperança e a devoção.
O desígnio humano recria-se e realiza-se em duas atitudes: primeiro, no reconhecimento, temor, adoração amorosa a Deus – somos todos seus adoradores. Segundo, assim como, ao servirmos fraternalmente, plenos de caridade, ao próximo, aos nossos irmãos, recriamos, de maneira direta, o esforço da ação coletiva primal, que nos impulsionou para além da manada, que nos colocou eretos, corredores de savanas, lançadores de varas pontiagudas e conquistadores dos campos.

Essa vocação inspira aos humanos no acolhimento afetuoso, samaritano dos que precisam. É mandamento cristão, ditado de forma direta, sem subterfúgios.
Portanto, assumir o que somos em vocação original, reconcilia nossa alma com o seu âmago e nos aproxima do “Reino dos Céus”.
Essas reflexões não buscam gerar prosélitos, nem afirmar eventuais axiomas. Somos, por natureza, de viés contemplativo. Apenas, testemunhamos o que cremos e exibimos a harmonia entre de onde viemos e para onde vamos, an passant, declaramos o que somos: Acima de tudo, adoradores prostrados do Senhor.
– Deus seja louvado!
Post Scriptum: Em nossa missão, buscamos exercer o que é nosso desígnio. Sem tergiversação, talvez, com alguma radicalidade, Mas, sem pretender nos comparar, citamos, que muitos são os exemplos de santos, universalmente venerados, que viveram a radicalidade: Cristóvão, Cipriano, Agostinho, Francisco de Assis, Antônio de Pádua, as Terezas de Ávila, de Lizieux, de Calcutá, Irmã Dulce, etc. Não é a toa que advogamos a beatificação de Dom Henrique Soares da Costa, recentemente falecido. Discutimos, sim, o “desígnio humano”, com o cuidado e a paixão de buscadores confiantes.
____________________
*Marcelo Cavalcanti tem 72 anos, é sociólogo e ativista social, sendo dirigente de instituição filantrópica.