Por Eduardo Graça, de O Globo – Os Estados Unidos que começam a surgir das urnas nesta terça-feira refletirão a reação dos eleitores às mudanças velozes e profundas pelas quais o país passou desde que Joe Biden, há quatro anos, venceu o então presidente Donald Trump. Desde o início das primárias, em janeiro, eleitores que conversaram com O GLOBO desafiaram estereótipos relacionados à etnia, classe social, idade e gênero.
Eles revelaram ter abandonado filiações partidárias de décadas, decidido votar pela primeira vez, reafirmado sua convicção de estar do lado certo ou até mesmo permanecido indecisos até o último momento. Cenário que alimenta a indefinição sobre quem representaria melhor o novo desejado, aí sim, em uníssono — se a vice Kamala Harris ou o ex-presidente, empatados em todas as pesquisas nacionais e nos estados mais decisivos.
A sequência de eventos que ajudou cada um a montar o quebra-cabeças do voto é a mesma. A invasão do Capitólio por negacionistas incitados pelo republicano com a destruição do Congresso e a morte de cinco cidadãos. O segundo processo de impeachment de Trump. A recuperação da economia pós-pandemia de forma robusta, mas com os índices macroeconômicos importando menos do que o remédio amargo da inflação alta. O fim do direito federal ao aborto pela Suprema Corte. A decisão, pelos mesmos juízes, de maioria conservadora, de que ex-presidentes desfrutam de imunidade após deixarem o cargo.
A entrada recorde de imigrantes em situação irregular pela fronteira com o México. A condenação do ex-presidente, a primeira na História americana, e o prosseguimento de pelo menos outros quatro casos, entre eles o que julga sua interferência nas eleições presidenciais quando comandava o país. A substituição, após receber milhares de votos nas prévias, de Biden por sua vice na chapa governista. As duas tentativas de assassinato de Trump.
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— Parece que vivi dez anos em quatro. E a sensação de não saber mais que país é este me deu a certeza de que em 2016 tinha mais dinheiro no bolso e minha vida era menos confusa do que hoje—diz Arthur Alves, que vive em um subúrbio de Phoenix, no decisivo estado do Arizona. — Votarei em Trump, que é mais claro sobre o que vai fazer com o país, fechando a fronteira e diminuindo o custo de vida.
De outro estado-pêndulo, o Wisconsin, Michael Riordan decidiu, ao passar na cabeça o filme dos últimos anos, exatamente o oposto:
—Ir adiante não pode ser retornar a 2016, como se nada grave tivesse acontecido de lá pra cá. Além da defesa da democracia, que é, reconheço, valor mais etéreo, os dados econômicos mostram quem fez melhor, por exemplo, no número total de empregos gerados. Foi assim que convenci meu pai, republicano, a votar este ano comigo em Kamala.
As razões que levam a maioria dos americanos às urnas hoje se consolidaram ao longo de quase um ano de campanha eleitoral e refletem o país que desejam construir. Foram traduzidas em números pelos estrategistas das duas campanhas e informaram os movimentos finais dos dois lados.
Elas estão na ponta da língua de eleitores como Nevaeh Castillo, do Arizona, ansiosa para ver “a primeira presidente mulher, que irá garantir os direitos reprodutivos para mim e minhas sobrinhas”. Do casal Nile e Michelle Stevens, do Missouri, que vota em Trump pois ele “é quem tem peito para enfrentar os bandidos que cruzam nossas fronteiras”. De Teresa Kinglsand, da Geórgia, que também vota em Trump para “poder fazer supermercado como quando ele era presidente, antes da inflação alta do Biden”. De Syed Aftab, de Michigan, que não vota em Trump “para ele concretizar seu projeto de autocrata”, mas até o último minuto decidirá se cravará Kamala hoje, “apesar da Casa Branca financar o massacre em Gaza e no Líbano”. E de Jennifer Spitler, da Pensilvânia, que, embora preferisse um candidato “de fato progressista”, marcará o nome de Kamala na cédula hoje, guiada pela “preservação da democracia”.
A prevalência dos temas — economia, política imigratória, defesa da democracia e do direito ao aborto — chama ainda mais atenção quando se mergulha na pesquisa de boca de urna do New York Times de 2020.