Por katarina Moraes, do JC — Na última semana, quando as fortes chuvas começaram a cair sobre o Grande Recife, Polianna Nelma dos Santos, de 35 anos, recebeu uma ligação da amiga. “Vai começar tudo de novo. Venha com seu pai para a minha casa”, relatou ela sobre a conversa.
Durante a precipitação no meio do verão, ela ficou de ‘plantão’ em frente à própria casa, que tem o morro como paisagem. “Um bloco de cimento começou a cair muito rápido lá de cima. Fiquei com medo de vir parar aqui. Não consegui dormir pela madrugada, só às 16h, quando a chuva passou mais”, contou.
Polianna é moradora da parte pertencente à Jaboatão dos Guararapes de Jardim Monte Verde, comunidade limítrofe com a capital pernambucana e que teve mais registros de mortes por deslizamentos de barreira no inverno de 2022, que deixou 134 vítimas no Estado.

Em maio do último ano, quando viu o local onde vivia virar um cenário de guerra, sofreu o trauma de ver corpos sendo retirados da lama e perdeu tudo que tinha dentro de casa. No abrigo, conheceu o atual esposo, José Ronaldo Silva, 34 – um amor que cresceu sobre a raiz do desespero.
Juntos, com o auxílio de R$ 1,5 mil dado pelo Governo do Estado e pela Prefeitura de Jaboatão, alugaram uma casa por R$ 350, mas, quando o dinheiro acabou, voltaram para o risco – pouco tempo após Ronaldo parar de ter pesadelos e acordar gritando durante a madrugada.
A previsão de que “tudo aconteceria de novo”, como temia a amiga dela, de fato se concretizou – dois pequenos deslizamentos foram registrados na última quinta-feira (9), segundo os moradores da área. Mas, felizmente, não atingiram nenhuma casa e nem ninguém.
Monte Verde é cercada por pontos de risco que, nove meses após a tragédia, nem mesmo possuem uma lona plástica para evitar a queda do barro. Próximo a uma das barreiras, foi feita uma praça de convivência para as crianças, que, segundo a gestão de Jaboatão, tem o intuito de evitar que o espaço seja reocupado por novas casas.

Na parcela administrada pelo Recife, a Rua Pico da Bandeira, onde 13 pessoas morreram, está parcialmente abandonada, com casas condenadas. O aposentado Elizeu Gonzaga Ramos, 59, está morando de favor com um amigo desde maio de 2022, quando deixou a casa avaliada em cerca de R$ 80 mil para trás.
Os rastros da destruição ainda estão por todo lado. Nem mesmo o barro foi tirado de dentro dos cômodos. No banheiro, ele chega quase a cobrir a privada. “Estão entrando na casa e roubando portas de alumínio e cabos de energia”, contou.
A filha e a neta, que viviam na parte detrás, ficaram imprensadas pela barreira, e estão traumatizadas. “Quando chove, começa a chorar e minha filha não quer vir mais para Monte Verde”. A vulnerabilidade é latente. Com um salário mínimo, Elizeu ajuda no aluguel da filha e pede pela efetivação do seu direito. “Eu queria moradia, porque, aqui, eu fugi da morte”.
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