Por Malu Gaspar, de O Globo – A Novonor, antiga Odebrecht, apoiou em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (26) a tese do ministro Dias Toffoli que baseou a anulação das provas obtidas pela Operação Lava-Jato através do acordo de leniência da empreiteira.
Mas, embora considere que o acordo foi forjado sobre ações ilegais do Ministério Público Federal (MPF), a ex-Odebrecht continua querendo manter os benefícios do termo de colaboração assinado em 2016.
Na petição de 33 páginas enviada ao STF, os advogados Rodrigo Mudrovitsch e Victor Rufino, solicitam que o Supremo confirme se a ex-Odebrecht ainda dispõe de “todos os direitos e garantias previstos no acordo de leniência em qualquer âmbito ou grau de jurisdição” – entre elas o direito de ser contratada pelo poder público e a manutenção do acesso a crédito em instituições financeiras, incluindo bancos públicos.
A empresa se diz vítima da operação e afirma que cumpriu a sua parte no acordo, enquanto o poder público não teria cumprido sua parte. Por isso, afirma que não deveria ser punida com a anulação dos benefícios.
O documento é uma tentativa da empresa de fazer com que o Supremo barre iniciativas como a do Tribunal de Contas da União (TCU), que logo após a decisão de Toffoli anunciou a intenção de fazer uma revisão dos processos contra a Odebrecht que estavam suspensos por força do acordo de leniência – e que, com a anulação das provas, poderiam ser retomados para a aplicação de sanções.
Há, ainda, uma discussão no governo sobre a possibilidade de o Conselho de Recursos Administrativos da Fazenda (Carf) anular as multas imputadas à Odebrecht em decorrência dos crimes confessados pela empresa.
A empreiteira argumenta que, apesar de o MPF ter assumido o compromisso de liberá-la para novos contratos públicos após a admissão de fraudes em diversos empreendimentos, o governo do Distrito Federal abriu um processo administrativo para avaliar a suspensão de um contrato firmado com a Odebrecht.
Mas, apesar de dizer que o acordo não estaria sendo cumprido, a empresa afirma que precisa mantê-lo, porque ele teria sido “a única chance” para a manutenção das operações da empresa na ocasião de sua assinatura.
De acordo com a Odebrecht, mesmo considerando que o acordo tem bases ilegais, ele não poderia ser revisto porque sua anulação traria “consequências imprevisíveis e incalculáveis”.
Para isso, a defesa da companhia recorre às palavras do próprio Toffoli, que na decisão do início deste mês defendeu como “indeclinável” o dever do Estado de “honrar o compromisso assumido no acordo de colaboração” em prol da segurança jurídica.
Ao discorrer sobre o voto de Toffoli, a empresa repetiu a tese dele sobre supostas irregularidades em cooperações internacionais da Lava-Jato – hipótese afastada por uma sindicância do próprio MPF que foi ignorada nos autos pelo ministro do STF, como publicamos no blog.
Em sua decisão, Toffoli afirma que houve um acesso indevido a provas relacionadas ao esquema de corrupção operado pela Odebrecht e fornecidas por meio de acordo de cooperação judicial pela autoridade central da Suíça às autoridades brasileiras em 2014.
Nos autos, Toffoli alega que o MPF obteve informações dos suíços antes do aval do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRIC) do Ministério da Justiça e depois tentou oficializar o intercâmbio de informações junto ao órgão em data posterior ao acesso às evidências, em 2015.
A sindicância do MPF, porém, concluiu que as consultas informais entre órgãos de investigação é prevista nos tratados internacionais e normas do próprio governo. No parecer assinado em 2021 e enviado ao Supremo, a corregedora-geral Elizeta Ramos concluiu que o processo ocorreu em “sintonia” com a lei
Os procuradores da Lava Jato solicitaram o fornecimento de informações por cooperação jurídica à Suíça no primeiro semestre de 2016, mas fecharam acordo de colaboração premiada com a Odebrecht e 77 de seus executivos em dezembro do mesmo ano, quando a empreiteira forneceu ela mesmo as provas anuladas por Toffoli – cópias dos sistemas de registros de pagamento de propina que estavam armazenados em servidores na Suíça e na Suécia.
Toffoli, porém, ignorou a conclusão do STF e citou como uma das evidências de que não havia cooperação judicial um oficio do DRCI que afirmava não ter havido cooperação judicial. Dias depois da sentença, porém, o DRCI corrigiu a informação e disse que havia localizado os documentos que comprovam a cooperação judicial.
Assim como Toffoli, a defesa da Novonor sustenta parte de sua argumentação com as mensagens obtidas pela Operação Spoofing da Polícia Federal (PF), que recuperou as mensagens reveladas pela Vaza-Jato, como ficou conhecido o escândalo das mensagens captadas pelo hacker Walter Delgatti e divulgadas pelo site Intercept Brasil em 2019.
A companhia alega que boa parte dos diálogos revelados, que traziam evidências de irregularidades cometidas pela força-tarefa de Curitiba e a 13ª Vara Federal, era desconhecida pela própria empresa e serviu como base para “controversas medidas investigatórias, cautelares e persecutórias em face da Odebrecht e de seus executivos”, o que compreende, inclusive, o período em que a empresa assinou seu acordo de leniência.
Nesse trecho, a Odebrecht faz questão de frisar que, mesmo sem a ciência dos diálogos da Vaza-Jato, já alertava para “uma série de problemas na condução dos procedimentos investigativos” da Lava-Jato, o que só teria agravado o clima de hostilidade entre a força-tarefa e a empresa.Durante as investigações e a negociação do acordo, a Odebrecht fez uma série de pedidos de anulação da investigação utilizando os mesmos argumentos de Toffoli. Na época, porém, os procedimentos da Lava-Jato foram corroborados pelo Supremo e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nada disso impediu a assinatura do acordo de leniência há quase sete anos – que, mesmo denunciando, a Odebrecht faz questão de manter.