Por Daniel Sales, do Valor – Como empresário, o chef santista Dário Costa achou que nadaria de braçada em Fernando de Noronha. É onde se encontra o restaurante Benedita, sexto empreendimento gastronômico do qual é sócio – Madê, Paru, Churrascada do Mar, Deus Ex Machina e Açougue do Mar, o único que não serve refeições, são os outros cinco. Especializado em pescados e frutos do mar na brasa, assim como os demais restaurantes, o Benedita foi inaugurado em setembro de 2022.
Sucesso instantâneo, o empreendimento foi surpreendido, no mês seguinte, com uma decisão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac): a proibição de pousos e decolagens de jatos no único aeroporto do arquipélago. De lá para cá, só aviões turboélices estão autorizados a interligar o incensado destino e o continente – atualmente, as únicas rotas disponíveis partem de Natal, Recife e Fortaleza. “Com a restrição, o movimento em Fernando de Noronha chegou a cair 79%”, afirma Costa, resignado. “O Benedita é um dos menos afetados, mas muitos empreendimentos enfrentam dificuldades.”

O veto aos jatos – um deles ia de São Paulo até o arquipélago sem escalas – se deve às condições da pista, que está soltando fragmentos em alguns trechos. Se um detrito termina dentro de uma turbina é de imaginar as consequências – daí a decisão da Anac, que considera a circulação dos turboélices segura. Em novembro do ano passado, uma obra emergencial que custou R$ 1,2 milhão diminuiu o problema. Só uma reforma propriamente dita, no entanto, poderá abrir caminho, novamente, para os jatos.
Em outubro deste ano, o governo de Pernambuco renovou a concessão do terminal com a Dix Aeroportos, que ficará responsável por ele por mais 25 anos. Dos R$ 60 milhões previstos no contrato de licitação, R$ 45 milhões deverão ser gastos com requalificação, o que inclui obras da pista, previstas para o primeiro semestre de 2024.
Em junho deste ano, o então secretário de Infraestrutura de Pernambuco, Evandro Avelar, anunciou a expectativa de concluir a primeira fase da reforma da pista em janeiro. “É o melhor mês para o turismo em Fernando de Noronha”, observa o chef santista. “E corremos o risco de não aproveitar janeiro a contento mais uma vez.”
O destino do arquipélago e o dele se cruzaram por acaso. Costa desembarcou no distrito pernambucano, pela primeira vez, em 2021. E só porque a viagem que planejava fazer com a família para o Taiti, na Polinésia Francesa, subiu no telhado – a Ilha de Páscoa, no Chile, onde seria preciso fazer uma escala, fechou as portas, de uma hora para outra, por culpa da pandemia.

Descartada a viagem para o Pacífico, o chef bateu o martelo em Fernando de Noronha, que via, admite, com certo preconceito. “Imaginava encontrar no arquipélago só lugares chiques, o que não me atrai muito, mas descobri um destino que é marcado pela busca de uma vida mais simples”, afirma. “E é disparado o lugar mais bonito que conheci.”
Na época, ele já era um chef famoso e respeitado. Participou da primeira edição do “MasterChef Brasil”, em 2016, do qual foi o terceiro colocado, e da segunda temporada do “Mestre do Sabor”, em 2020, na qual sagrou-se campeão.
Seu primeiro restaurante, o Madê, em Santos, está na ativa desde 2017. Serve pratos como linguini ao pesto (R$ 88), acompanhado de atum selado e farofinha crocante de pão, e polvo grelhado na lenha (R$ 128), guarnecido de mil folhas de batata, pasta de tomate defumado e molho aïoli de alho assado – o menu degustação custa R$ 300 ou, com harmonização de vinhos, R$ 456.
“O Madê só começou a fazer sucesso quando os paulistanos começaram a frequentá-lo”, afirma o chef, que está com 35 anos. “Foi a partir daí que os santistas passaram a dar valor.” Inicialmente, a meta de Costa era fazer do empreendimento um destino para saborear peixes sem muita invencionice.
A inspiração veio do Vescovado, restaurante com uma estrela Michelin na Ligúria, na Itália, do qual foi funcionário antes de começar a empreender. “Os peixes usados nos menus degustação deste restaurante, a € 350 por pessoa, também são pescados em Santos, embora pouca gente dê valor para eles”, afirma o cozinheiro. “Quando me dei conta disso, resolvi apostar neles no Brasil.”
A proximidade com a vida marinha remete à infância e à adolescência entre Santos e o Guarujá, onde mora hoje em dia, e ao pai dele. Mergulhador profissional, ele morreu em decorrência de um câncer quando o futuro chef tinha 18 anos. O pai também tinha o hábito de pescar peixes como sororoca, tainha e trilha e cozinhá-los em seguida. Ele quis imprimir despojamento ao Madê, mas não deu muito certo.
“Sempre taxaram o restaurante como chique, apesar de servir peixe inteiro até hoje”, reclama. Resolveu o problema abrindo mais um empreendimento na cidade, o Paru. Fica dentro do Mercado de Peixes de Santos e aposta no sistema de autosserviço. “Deixei a informalidade para o Paru e passei a servir menu degustação no Madê”, lembra o santista. Em sua cidade natal, ele também montou o Açougue do Mar, conhecido por maturar peixes como sororoca, linguado, vermelho, cioba e carapau – a técnica imprime complexidade e firmeza aos pescados, facilitando a vida de quem pretende assá-los inteiros e sem desmanchá-los durante o processo.
A filial do açougue divide espaço com um dos dois negócios dos quais Costa é sócio em São Paulo, o restaurante Churrascada do Mar. O segundo empreendimento paulistano, o Deus Ex Machina, se encontra na mesma rua, no bairro de Pinheiros. Trata-se da primeira filial brasileira de uma grife de roupas australiana que também administra espaços gastronômicos. Além do complexo em Pinheiros, a operação verde-amarela dispõe de uma loja no MorumbiShopping. Em conjunto, os negócios paulistanos do chef santista consomem duas toneladas de peixe por semana.

Mas voltemos a Fernando de Noronha. Habitué do arquipélago desde 1995, o mineiro Marcelo Carvalho acompanhava a trajetória de Costa à distância, alimentando o sonho de convencê-lo a montar uma operação em conjunto no arquipélago. “Sempre achei que a comida dele tem tudo a ver com o destino”, diz Carvalho, que mantém vários negócios por lá, da lotérica à gelateria Paradiso. Quando viu uma postagem de Costa no Instagram a respeito daquela viagem para o arquipélago, organizada às pressas em função dos entraves para o Taiti, o mineiro não pensou duas vezes e lhe enviou uma mensagem.
Na época, Carvalho estava decidido a reformar o restaurante a quilo que mantinha no distrito. Conversa vai, conversa vem, convenceu o chef a se associar a ele. Daí para decidirem transformar o antigo empreendimento no Benedita, que presta tributo à avó materna do santista, foi um pulo. Surfista, Costa planeja morar, dos 40 anos em diante, metade do ano no distrito e a outra metade no Sudeste.
Convertido em um dos endereços mais badalados de Noronha, o restaurante aposta na mesma fórmula que o chef colocou em prática em Santos e na capital paulista. O cardápio lista pratos como arroz com frutos do mar (R$ 344, para duas pessoas) e peixe assado coberto com lâminas de banana que imitam escamas (R$ 282, para duas pessoas). Um dos hits é a versão do Filé à Wellington feita com atum no lugar da carne bovina (R$ 178, para uma pessoa).
Os preços, semelhantes aos de outros restaurantes no arquipélago, se explicam pela logística imposta a todos os empreendimentos locais – praticamente tudo que é consumido no distrito é trazido do continente de barco ou de avião. Eis a principal explicação para Fernando de Noronha ser consideravelmente mais caro que destinos semelhantes no país. O que faz dele um ímã de celebridades e de bilionários como Henrique Dubugras, que elegeu o distrito para seu casamento, realizado em outubro? O volume relativamente baixo de turistas, provavelmente, e a sensação de segurança que só um arquipélago a mais de 370 quilômetros da costa é capaz de incutir, além dos encantos naturais.
É essa turma endinheirada, principalmente, que os empresários locais temem ver com menos frequência em razão das restrições no aeroporto. “Antes, não dava para sair para jantar em Fernando de Noronha sem fazer reserva ou enfrentar uma longa fila”, diz o chef santista. “Agora não é mais assim.”
O impacto do veto temporário aos jatos pode ser medido pelo volume amealhado pelo distrito com taxas de inspeção, controle e fiscalização. Foram R$ 51 milhões em 2022 e R$ 46,6 milhões neste ano, sem contar dezembro – um tombo de 8%. A taxa mais conhecida é a de preservação ambiental, que todo visitante precisa pagar ao desembarcar em Noronha. Varia conforme os dias de permanência. Um dia custa R$ 92,89 por pessoa. Vai passar um mês? Daí são R$ 6.550,33. Pousadas como a do Mirante, nos arredores da praia do Boldró, custam a partir de R$ 1.800 a diária – inaugurada no ano passado, esta dispõe de suítes com direito a piscinas de borda infinita exclusivas.
A única pousada “pé na areia” do distrito é a Casa Conceição, cujas diárias partem de R$ 1.700. Também pertence a Marcelo Carvalho. “O cenário é preocupante”, diz ele, ao comentar os reflexos da situação do aeroporto. “Manter qualquer negócio em Noronha já é algo bastante complexo por se tratar de um arquipélago. Imagine então com menos turistas.”