Do UOL – A história de Lionel Messi na seleção argentina não pode ser contada sem o Maracanã. Quando o camisa 10 entrar em campo para enfrentar o Brasil, o clima será de reencontro e despedida.
Foi no estádio carioca que Messi viveu o momento mais triste da carreira, na derrota para a Alemanha na final da Copa de 2014. Sete anos depois, ajoelhado no gramado de um gigante silencioso e sem público, ele era abraçado pelos companheiros após a conquista da Copa América. Aquele troféu, inegavelmente, catapultou a Argentina até o título da Copa do Mundo. O auge de Messi pela seleção.
A união do estádio mais importante do Brasil com o jogador com mais títulos na história do futebol é uma espécie de alinhamento cósmico: acontece poucas vezes e sempre desperta atenção. Hoje (21), pode ser também a última vez de Messi no Brasil.
Aos 36 anos, jogando no Inter Miami e indo para a reta final da carreira, o camisa 10 tem cada vez menos jogos grandes pela frente — o sonho dos argentinos é que ele dispute a Copa de 2026.
Assim, Messi não voltará a jogar no Maracanã ou em qualquer outro estádio brasileiro, já que não há competições internacionais previstas para o Brasil. Fora da seleção, nada de Eliminatórias para o ciclo de 2030.
É esse o cenário do adeus. Salvo algum outro alinhamento cósmico, o jogo de hoje será o último encontro. O último tango, ou melhor, samba de Messi no Brasil.
Um craque em turnê de despedida
O Messi que volta ao Maracanã é bem diferente das versões de 2014, 2019 e 2021. Campeão mundial, morando nos Estados Unidos e com uma visão diferente do futebol e da própria vida.
Quem convive de perto com o craque argentino afirma que a nova fase inclui uma forma mais tranquila de encarar as partidas com o clube e a seleção. Agora que já ganhou todos os títulos possíveis, o Leo de 36 anos quer aproveitar cada treino, cada jogo, cada minuto de uma carreira que vai se encaminhando para o fim.
O argentino ainda não fala sobre quando pretende encerrar a carreira, mas já disse em mais de uma entrevista que quer “aproveitar o tempo que resta”: ele quer jogar pelo prazer de estar no campo, sem a obrigação de ganhar para provar algo para a torcida, a imprensa ou para si mesmo.
É esse Messi, que encara todos os jogos como se fossem o último, que dirá adeus aos gramados brasileiros. Um líder dentro e fora de campo, que agora já levanta a voz e entra em confusões que antes evitava, mas que também é capaz de sorrir após uma derrota, como fez diante do Uruguai.
O último Messi que os brasileiros verão no país é um craque que joga cada vez menos partidas, um artista fazendo uma turnê de despedida. Mas o que aconteceu nessa relação entre Messi, seleção argentina e o Brasil?
Um espinho cravado para sempre
Definir o sentimento de Messi sobre a derrota na final de 2014 é difícil até mesmo para pessoas próximas ao craque argentino. Há quem diga que, naquele dia, o camisa 10 parecia estar em choque; quem conviveu com ele nos dias seguintes relata uma tristeza profunda. E ele mesmo não esconde, tanto em entrevistas quanto em conversas privadas, que nunca foi tão triste em um campo de futebol.
Foi o próprio Messi que encontrou a forma mais gráfica e precisa de explicar o que o 13 de julho de 2014, no Maracanã, significou (e ainda significa) em sua vida. Em uma conversa gravada com Zinedine Zidane, no início deste mês, o argentino foi perguntado sobre que partida gostaria de voltar a jogar.
Na resposta, disse que “não se arrepende de nada, que as coisas acontecem porque têm de acontecer”. Mas depois acrescentou que “a espinita de 2014, apesar de ter sido um pouco apagada pelo último Mundial, continua aí”.
Espinita, em espanhol, é o diminutivo de espinho. A frase de Messi vem da expressão “espinita clavada”, que o dicionário define como “sentimento de pesar que atormenta de maneira insistente”. Mas o significado gráfico é ainda mais forte: é como ter um espinho cravado, que não sai, mesmo com o passar do tempo.
Em um vídeo produzido pela Fifa em 2015, Messi revê lances do Mundial do ano anterior e, depois de assistir a trechos da final, afirma: “Nós vamos nos arrepender pelo resto da vida dessas chances que tivemos e não conseguimos marcar”.
“Pelo resto da vida” parece tempo demais, mas quem conhece Messi garante que aquele jogo até hoje habita os pensamentos do argentino. “Nos dias seguintes, ele repassou aquele jogo várias vezes na cabeça”, disse ao UOL o jornalista Florent Torchut, autor do livro “El Rey Leo” e que entrevistou o argentino para a edição especial da France Football para a Bola de Ouro deste ano.
Uma vida em cinco anos
Entre a derrota para a Alemanha na final de 2014 e a Copa América de 2019, quando voltou a jogar no Maracanã, Messi viveu seus anos mais instáveis com a seleção.
A decisão no Rio foi a primeira de uma série de três que a Albiceleste perdeu: em 2015 e 2016, os argentinos caíram diante do Chile, em torneios continentais. Messi estava cansado — de perder, de ser pressionado, de ser acusado de não se esforçar com a camisa da seleção — e decidiu parar. “A seleção acabou pra mim.”
O adeus não durou muito. Em setembro, menos de três meses depois, ele já estava em campo pela Argentina, na busca por uma vaga na Copa de 2018. Na Rússia, a seleção de Jorge Sampaoli naufragou: em meio ao caos e às brigas internas, o time caiu nas oitavas de final diante da campeã França.
A quarta Copa do Mundo sem título fez Messi considerar novamente a aposentadoria da seleção. Ele pediu para ficar fora dos amistosos do fim de 2018 e, depois de uma conversa com Lionel Scaloni, recém-efetivado treinador, e Pablo Aimar, decidiu retornar às convocações.
A volta do camisa 10 aos gramados brasileiros em 2019 acabou marcada de forma negativa. Depois de uma campanha medíocre na primeira fase — e que incluiu um retorno ao Maracanã nas quartas de final, contra a Venezuela — a Argentina caiu diante do Brasil na semifinal. No lance que mudou o rumo do jogo, o craque viu uma cobrança de falta perfeita parar nas mãos de Alisson.
Mas a imagem que marcou a participação de Messi aconteceu na decisão de terceiro lugar: depois de um desentendimento com o chileno Gary Medel, ambos acabaram expulsos. Foi o primeiro cartão vermelho da carreira do argentino desde 2005.
Redenção e alívio
A seleção da Argentina chegou à Copa América de 2021 com um tabu de 28 anos sem títulos, um treinador novato e um time que ainda não tinha sido testado em grandes jogos. Messi colecionava eliminações com o Barcelona na Champions League. E o Brasil, comandado por Tite, era o grande favorito ao título jogando em casa — jamais havia perdido o torneio como mandante.
Quatro semanas depois, os argentinos venceram o Brasil em pleno Maracanã para ficar com o título, Messi quebrou o tabu de jamais ter sido campeão com a seleção principal, e Lionel Scaloni ganhou o respaldo de que precisava para seguir o trabalho até o Mundial do Qatar.
Para os jogadores do elenco, mais que um título que encerrava uma seca de quase três décadas, a conquista era importante porque tirava o peso das costas do craque do time. Messi estava, finalmente, livre.
Foi na Copa América, também, que o camisa 10 argentino passou a ser mais que um líder técnico. Imagens de Messi fazendo discursos motivacionais nos vestiários mostravam uma metamorfose: de gênio tímido com a bola nos pés para um capitão que incentivava seus companheiros antes, durante e depois dos jogos.
A festa, porém, foi incompleta: pelas restrições de viagens devido à pandemia, as famílias dos jogadores não estiveram no Brasil. Depois de conquistar o título, Messi sentou-se no campo e fez uma chamada de vídeo com os pais, a esposa e os filhos. Era a forma de sentir o calor de quem esteve presente nos momentos mais duros da carreira.
Quem convive com Messi não tem dúvidas em afirmar: o título mundial conquistado no Qatar começou a germinar naquela noite, no gramado de um Maracanã em silêncio.
Um argentino adorado. Inclusive no Brasil
A relação de Messi com o Brasil vai muito além das partidas que o argentino disputou em solo brasileiro. Na verdade, ela se forjou longe dos gramados do país. Foi vendo Messi pela TV que grande parte do público brasileiro passou a admirá-lo — e, em alguns casos, até a torcer por ele.
A ascensão do craque no Barcelona coincide com os anos em que o Brasil deixou de vencer Copas do Mundo e de produzir jogadores que brigassem pelos principais prêmios individuais: o penta foi conquistado em 2002, e Kaká conquistou a Bola de Ouro em 2007, a primeira temporada em que Messi disputou mais de 30 jogos pelo Barcelona.
Outro fator importante é a presença cada vez maior das transmissões de futebol europeu no Brasil. O público do país viu Messi nascer para o futebol ao vivo e acompanhou toda a evolução do camisa 10. Desde então, o jogador brasileiro de mais destaque foi Neymar — jogando, e ganhando tudo, ao lado do argentino no Barcelona.
A admiração dos brasileiros por Messi fica clara na pesquisa “O Maior Raio-X do Torcedor”, da CNN/Itatiaia/Quaest. Para 40% dos entrevistados, o argentino é o melhor jogador do mundo em atividade. Cristiano Ronaldo e Neymar, com 14%, ficaram empatados na segunda posição.
Outro dado que fortalece a teoria de que o argentino conseguiu conquistar o torcedor brasileiro: ele só fica atrás de Pelé na disputa pelo título de melhor de todos os tempos. O Rei leva fácil, com 66%, mas 6% dos entrevistados consideram que ninguém jogou mais do que Messi.
Um terceiro indício é que os 69 mil ingressos colocados à venda para o duelo entre Brasil e Argentina, nesta terça, já estão esgotados. Mesmo com a seleção de Fernando Diniz ocupando a quinta posição nas Eliminatórias.