Por Lêda Rivas — Desta vez, a maldição chinesa, conhecida no Planalto Central como “gripezinha”, não me surpreendeu. Eu sabia que era só uma questão de dias, de horas, talvez, e ela viria cobrar a conta. Paga, hoje, ao arrebatar do nosso convívio um dos cérebros mais brilhantes que Pernambuco produziu. Confisco previsível, considerando a gravidade do quadro que a presa, fragilíssima, apresentava.
Não foi surpresa, portanto, a notícia, neste dia de Santo Antônio, da morte do meu velho amigo Roque de Brito Alves, internado, há uma semana, em UTI do Recife, para tratamento da Covid-19. Mas doeu. Profundamente. Porque avivou-me a consciência de que os seres imprescindíveis não se substituem. Roque era um deles. Num panorama de pauperização moral e cultural, fará uma falta imensa.
Conheci o ilustre jurista e professor por intermédio do seu irmão, Antônio, amigo e cliente do meu pai, amizade que se estendeu à família Brito Alves. O mais famoso criminalista do Estado, de retórica desassombrada, Antônio mesmerizava plateias em júris muitas vezes transmitidos pelas emissoras de rádio. Don Laureano Rivas não perdia um.
Os dois irmãos eram visitantes frequentes ao Diario de Pernambuco. Foram tantos os encontros na sala da diretoria, na redação e no Departamento de Pesquisa, que eu dirigia em paralelo com a editoria do Viver. E foram muitas as matérias pautadas com o professor Roque sobre sua preciosa coleção de porcelana antiga.
Tema que regia invariavelmente as nossas conversas e que nos levou – a mim e a Potiguar Matos – a participar de duas reuniões gastronômicas na casa do conhecido colecionador. Encantavam-nos a agilidade, a segurança e a versatilidade com que o anfitrião transitava pelos mais diferentes assuntos. Um humanista completo. Um homem do Renascimento, a exemplo de um Gilberto Osório de Andrade, geógrafo também nosso amigo, especialista em .”todos os assuntos do mundo” (aliás, Um homem do Renascimento foi o título da biografia de Osório, de minha autoria, publicada pela Assembleia Legislativa de Pernambuco).
Por falar em mundo, Roque era um viajante compulsivo, França e Itália seus destinos essenciais. Gostava de fazer longos relatos desses roteiros, detendo-se nos mínimos detalhes, enfocando o curioso, o inusitado, o surpreendente.
Cada conversa era uma aula. Aprendi muito, todos aprendemos muito.
A última vez que nos falamos, faz uns meses, foi por telefone, ele me convidando para o lançamento do seu último livro, “Direito Penal – Parte Geral: Teoria do Crime” e reclamando, tardiamente, por eu não ter assistido à sua posse na Academia Pernambucana de Letras. Justifiquei minha ausência passada e futura. Difícil ir ao lançamento. pois estava contundida por culpa de uma queda e precisaria de uma bengala como segurança. Bem à sua maneira cavalheiresca, meu amigo saiu-se com esta: “Anjo tem asas para voar. Use as suas!.”
Roque de Brito Alves será sepultado, hoje, sem pompas e sem os louvores que a APL tradicionalmente presta aos seus integrantes falecidos. Credite-se o quase anonimato da cerimônia às imposições da pandemia odienta. Logo ele, que já chegou à Casa de Carneiro Vilela imortal.