Por Gabriela Barile – Em 2020 escrevia sobre este tema que apresentava então, os primeiros impactos. A tecnologia antes dominada por profissionais de determinado nicho, tornava-se acessível ao grande público. Passados quase quatro anos, a técnica de deepfake popularizou-se em larga escala, disponível em aplicativos de baixo custo e acessibilidade. A inteligência artificial apresenta aspectos positivos e negativos. É preciso diferenciá-los, regulamentá-los e informar a sociedade sobre as multifacetadas utilidades e perigos que surgem nesta nova era tecnológica, para que estejamos preparados para as mudanças que se processam e para aquelas que hão de vir.
Compondo exemplos do uso benéfico da inteligência artificial, impõe citar a utilização na área da saúde, para a produção de diagnósticos assistidos por inteligência artificial e desenvolvimento de medicamentos; na área financeira, para automação bancária e análises de risco; na área jurídica, para pesquisas avançadas, assim como, na área de educação, dentre várias outras aplicações possíveis. O profissional especialista em inteligência artificial figura dentre as denominadas profissões do futuro, cada vez mais requisitadas no mundo corporativo.
Contudo, é imprescindível que se enfrente os impactos negativos que o uso inescrupuloso e antiético da inteligência artificial pode causar.
A influência das fakenews (notícias falsas) no resultado das eleições é comprovado e inconteste. Cabe ressaltar que este não é um problema exclusivamente brasileiro, mas, um fenômeno mundial. Historicamente, há registros de noticias falsas na Roma Antiga. Em verdade, as notícias falsas permeiam as disputas eleitorais ao longo dos anos, no entanto, a rapidez com a qual se propagam após o advento da internet e das redes sociais é devastadora e representa considerável diferencial a ser combatido.

As deepfakes têm o potencial de agravar o estrago já causado pelas fakenews dado à sofisticação e realismo que lhes é peculiar. O termo em inglês traz a fusão da expressão “deep learning” que em português significa “aprendizado profundo” (uma técnica de “machine learning” utilizada para que computadores aprendam a seguir determinados padrões) e “fake” cuja tradução é falso (a).
Mentiras prejudiciais não são novidades, mas a habilidade de distorção da realidade deu um salto exponencial com o advento da técnica de deepfake, capaz de combinar fala a um vídeo já existente ou criar áudios e vídeos de pessoas reais, dizendo e fazendo coisas que nunca disseram ou fizeram. É o requinte em criar mentiras cada vez mais realistas e de difícil detecção.
Embora os vídeos falsos manipulados ou criados pelas deepfakes sejam o formato de deepfake mais difundido e temido, por trocar rostos e combinar vozes conforme a malícia do editor, a técnica de deepfake também é utilizadas para manipular áudios, criando gravações que simulam a voz da vítima escolhida e que podem facilmente ser compartilhados via aplicativo de mensagens, por exemplo. As deepfakes podem ainda ser textuais e pasmem: podem ser deepfakes em tempo real, onde é possível mudar o rosto em transmissões ao vivo.
Faz-se necessária a regulamentação do uso da inteligência artificial, onde as deepfakes representam apenas uma gota no oceano.

Quanto à necessidade de regulamentação, quando da abertura do ano legislativo em 05/02/2024, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira mencionou a importância da regulação do uso da Inteligência Artificial, pois, existem instrumentos que podem distorcer a realidade e consecutivamente, a vontade popular, sobretudo no ano eleitoral, onde a distorção compromete a representatividade dos eleitos, um dos pilares da democracia.
O presidente do Senado Federal Rodrigo Pacheco apresentou o PL 2.338/2023, que regulamenta o uso da inteligência artificial. A expectativa é que o marco regulatório da inteligência artificial no Brasil seja votado no primeiro semestre de 2024.
Há ainda, expectativa quanto à publicação das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral para as eleições 2024, ocasião em que saberemos como o TSE irá tratar o uso da inteligência artificial nas eleições e especificamente, como serão tratadas as deepfakes. Segundo o artigo 105 da Lei das Eleições, o TSE publicará as resoluções até o dia 5 de março do ano eleitoral.

Com o período eleitoral exíguo, o efeito das deepfakes pode ser dramático. A criação de falsificações em áudios e vídeos de alta qualidade e persuasão poderão injetar na sociedade crenças equivocadas sobre questões políticas e sobre candidatos, sabotando assim, a lisura do processo eleitoral e influenciando no resultado das eleições. A ameaça ao resultado do pleito é real e se tornará mais nociva, se o autor da deepfake for capaz de fazê-la circular anonimamente e impunimente na internet, sem que a vítima possa desmascará-lo ou defender-se, o que geralmente ocorre.
Diante desta nova era de distorção da realidade, é necessário mapearmos o que poderá ser feito, utilizando a informação, a educação e os instrumentos legais como os principais aliados. Quando se depararem com um conteúdo que destrave a alavanca da sua curiosidade em demasia, provoque reações de espanto ou indignação muito fortes, antes de compartilhá-lo verifique a fonte. Se não a encontrar, não compartilhe. Ainda que seja crível e convincente, o conteúdo poderá ser falso. Precisamos proteger nosso convencimento destas mentiras tão bem elaboradas.
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*Gabriela Barile Tavares é especialista em direito eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Público