Do UOL – O Córtex, uma poderosa ferramenta de inteligência já em uso mantida e gerida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), permite monitorar pessoas e veículos nas ruas de diversos municípios e rodovias de todo o país em tempo real sem precisar registrar a motivação da consulta. Isso significa que pessoas podem ser acompanhadas sem prévia análise do Judiciário e fora de inquéritos policiais.
Fontes que falaram sob reserva e dados obtidos por Lei de Acesso à Informação (LAI) indicam que 55 mil usuários civis e militares têm acesso ao sistema em mais de 180 órgãos públicos no país. Procurado, o MJSP reconheceu à Agência Pública que os milhares de usuários civis e militares do sistema não estão obrigados a explicar o motivo da escolha de seus “alvos”.
“Não há necessidade de se motivar a consulta [no Córtex], haja vista se tratar de consultas visando atividades de segurança pública (que é o objetivo do sistema). Porém, caso haja suspeita de irregularidades nas consultas, deve haver atuação da auditoria”, disse o MJSP.

Entre os milhares de usuários do sistema, há membros das Forças Armadas, policiais civis, militares e federais, agentes penitenciários, integrantes do Ministério Público, bombeiros, guardas civis e até servidores de órgãos de fora do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
Sem um controle independente ou interno eficaz sobre seu uso no dia a dia, o Córtex abre espaço para vigilância indiscriminada de qualquer cidadão, seja ele um manifestante, um membro de movimento social ou de organizações da sociedade civil, uma pessoa pública ou autoridade, adversários políticos ou mesmo familiares e cônjuges de agentes com acesso ao sistema.
A portaria que regulamenta o uso do Córtex exige que os órgãos com acesso realizem auditorias e enviem relatórios mensais sobre o uso, mas apenas 62 relatórios de auditoria foram registrados em mais de quatro anos de uso intenso do programa, informou o MJSP.
Questionado sobre os poucos relatórios, o MJSP argumentou que “puxou para si a responsabilidade em realizar relatórios de auditoria, sendo que todos os processos de auditoria do órgão estão sendo revisados. Portanto, os 62 relatórios produzidos foram todos no âmbito do MJSP”.

First Mile x Córtex
O MJSP reconheceu à reportagem que, além das imagens de câmeras de rua, o Córtex dá acesso a dados de veículos, cadastros de pessoa física na Receita Federal, cadastros de embarcações e condutores, restrições judiciais e base nacional de carteiras de habilitação.
O monitoramento do trânsito de veículos e pessoas se assemelha às capacidades do programa First Mile, foco de um escândalo na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) após a descoberta de que ele consegue acompanhar, em tempo real, usuários de telefones celulares.
O Córtex acompanha veículos e pessoas em vez de telefones, mas o efeito prático é semelhante: os usuários têm a capacidade de saber onde e quando uma pessoa esteve ou por quais ruas e avenidas passou ou costuma passar, bastando reconstituir seu trajeto por meio das câmeras.
Consultas ao sistema podem ser feitas pela placa do carro a partir das milhares de câmeras instaladas em ruas, avenidas e rodovias que conseguem “ler” os caracteres das placas e indicar exatamente por onde o veículo passou ou costuma passar em determinado dia ou hora.
O sistema consegue vigiar pessoas e veículos “com ou sem restrições” 24 horas por dia, sete dias por semana. Ele também tem sido utilizado por órgãos públicos municipais e estaduais que têm firmado Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o MJSP.