Por O Globo – Em crise e vendo o número de prefeitos eleitos despencar a cada disputa, a esquerda vem perdendo adesão nas periferias das grandes cidades, áreas para as quais direciona seu discurso e ações. Levantamento do GLOBO mostra que os candidatos desse espectro político, que tem o PT à frente, recebem hoje menos votos do que no início do século nas áreas mais pobres de capitais onde vão disputar o segundo turno, casos de São Paulo e Porto Alegre.
A análise leva em conta bairros com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) nessas cidades. Em São Paulo, os distritos mais pobres estão no extremo sul da capital, como Marsilac, Parelheiros e Grajaú. Durante o início do século XX, a região chegou a ser conhecida como “Martalândia”, em razão do forte apoio recebido pela ex-prefeita petista Marta Suplicy nas suas campanhas em 2000, 2004 e 2008.
Entretanto, a situação do PT e da esquerda vem se tornando mais difícil. Na eleição em curso agora, o partido não apresentou um candidato próprio pela primeira vez desde a redemocratização, apoiando Guilherme Boulos (PSOL). Em 2000, Marta teve 71.974 votos no Grajaú, enquanto o candidato do PSOL conquistou 45.697 eleitores na mesma região no início do mês, 36% a menos.

Há 12 anos, a esquerda, que teve como principal nome o hoje ministro Fernando Haddad (Fazenda), vencedor na ocasião, também teve desempenho superior ao de Boulos agora. A votação do candidato do PSOL só supera a de 2016, quando Haddad foi derrotado na tentativa de reeleição em meio ao desgaste provocado no PT pela Operação Lava-Jato e logo após o impeachment de Dilma Rousseff. Naquele ano, a vitoriosa na região foi Marta Suplicy, que concorreu pelo MDB — como vice de Boulos em 2024, a ex-prefeita, de volta ao PT, não conseguiu agregar o apoio esperado na periferia.
Outro exemplo, em São Paulo, é o Jardim Helena, bairro da Zona Leste, onde Boulos, conseguiu 37 mil votos, menos do que Haddad em 2012 e em patamar semelhante ao que ele e Jilmar Tatto (PT), somados, alcançaram em 2020.
Deputado federal pelo PT e uma das principais lideranças na Zona Sul de São Paulo, Jilmar Tatto atribuiu a dificuldade do partido e de Guilherme Boulos na região a um avanço dos políticos de centro nesses locais. Tatto destacou que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tinha sua base eleitoral nessas regiões, mas destacou também o papel do presidente da Câmara de Vereadores, Milton Leite (União).
— Temos um prefeito que é de lá, o Milton Leite tem avançado nas bases do PT também, e o fato de o PT estar fora do governo. Eles (adversários) estão entregando coisas lá. Nosso esforço é fazer com que essa população menos favorecida volte a votar em nós como votou no Lula há dois anos — disse Tatto.
O cenário também é de estagnação na periferia de Porto Alegre. Em Lomba do Pinheiro, onde o PT já teve vitórias expressivas, a situação mudou substancialmente. Em 2000, o candidato do PT à prefeitura, Tarso Genro, teve, sozinho, 48 mil votos na zona eleitoral. Neste ano, Maria do Rosário conseguiu 19 mil — seis a cada dez votos dados ao partido escaparam no período. Mesmo somando seu desempenho com o de Juliana Brizola (PDT), foram 31 mil votos no bairro, 17 mil a menos do que há 24 anos.
O retrato é bem distinto ao que já foi vivenciado na capital gaúcha: entre 1988 e 2000, o PT venceu quatro eleições seguidas, com Olívio Dutra, Tarso Genro, Raul Pont e, novamente, Tarso Genro.
Professor de Ciência Política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Bruno Marques Schaefer afirma que a situação da esquerda na periferia deve ser levada em um contexto em que há outros atores ideologicamente vinculados a esse campo na cidade, como o PDT, que possui tradição no município e chegou a apoiar prefeitos do PT.

— Isso pode ter a explicação da oferta de candidaturas do PT, que teve nomes mais fracos nas últimas eleições, e também o fato de não estar no governo local há muito tempo e, com isso, distante em relação à provisão de políticas públicas que beneficiam essa parte da população — afirmou Schaefer.
No último dia 11, em Fortaleza, o presidente Lula deu uma entrevista para a rádio O Povo/CBN reconhecendo que o PT precisa rediscutir seu papel eleitoral após os resultados do primeiro turno. Ele destacou que o partido elegeu mais nomes do que em 2020, mas pontuou que os resultados ficaram concentrados no Nordeste. Dos 248 prefeitos eleitos pelo partido, 168 foram na região. Em São Paulo, berço do PT, foram apenas três prefeituras conquistadas.
— Houve mudança substancial e nós precisamos adequar o nosso discurso ao mundo do trabalho, que não é só carteira profissional assinada — afirmou.
Como O GLOBO mostrou, nos últimos 12 anos, o número de cidades sob o comando de partidos de esquerda caiu pela metade, indo de 1.468 para 724 no primeiro turno deste ano.
Em 2017, um estudo da Fundação Perseu Abramo, o braço de pesquisa do PT, identificou parte dos problemas do partido nas áreas mais pobres. A pesquisa apontou o crescimento de um discurso contrário ao papel do Estado, que aparece no imaginário como um ente que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos e administra mal o crescimento econômico. O levantamento feito pelo PT também captou um forte peso do empreendedorismo.
Em Fortaleza, o bairro mais pobre da cidade é o Conjunto Palmeiras. Como as zonas eleitorais do município foram alteradas, O GLOBO usou apenas as urnas localizadas em escolas do bairro. Lá, não apenas os votos na esquerda se transformaram, como todo o contexto político da cidade.
Em 2012, os dois principais candidatos na eleição foram Roberto Cláudio, do PDT, e Elmano de Freitas, do PT, dois partidos mais associados à esquerda nacionalmente. Elmano, hoje governador e então candidato à sucessão de Luizianne Lins (PT), ficou à frente na região.
A situação começou a mudar em 2016, com a entrada de Capitão Wagner (União Brasil) na disputa. O candidato, com um discurso mais associado à pauta conservadora e de segurança pública, teve 3.200 votos no bairro. Passados quatro anos, Wagner se candidatou de novo e arregimentou 5.200 eleitores na região, o equivalente a 25%. Ainda assim, candidatos de esquerda lideraram na região — 58,5% em 2016 e 51,07% em 2020.

No último dia 6, entretanto, o líder no bairro foi André Fernandes (PL), com 8 mil votos ou 41% dos votos em Conjunto Palmeiras. Essa foi a primeira vez que um candidato de direita venceu nesse recorte.
Para a socóloga Paula Vieira, pesquisadora do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará, parte desse crescimento conservador se deve tanto a um vácuo de políticas públicas na região como ao crescimento da violência, representado pelas facções criminosas que atuam nesse e em outros bairros pobres de Fortaleza.
— O PT não está conseguindo falar com a classe trabalhadora. Está com uma limitação para chegar nessa classe, que não tem mais a mesma característica que tinha quando o PT se originou. E essas novas características de trabalho não tem se alinhado com as ações da esquerda — afirma Vieira.









