Do UOL – A ligação entre os atos golpistas do 8 de Janeiro e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apontada na denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) ainda é frágil. Esta é a análise de especialistas em Direito ouvidos pelo UOL, que consideram faltar provas mais contundentes para sustentar a conclusão.
Ao denunciar Bolsonaro e outras 33 pessoas, o procurador-geral da República Paulo Gonet disse que o 8 de Janeiro foi “fomentado e facilitado” pela “organização” liderada pelo ex-presidente. Segundo a acusação, os atos golpistas foram a “última esperança” do grupo para se manter no poder.
Conclusão de Gonet avançou para além do que a Polícia Federal investigou sobre o tema. Como mostrou a Folha de S.Paulo, os crimes do 8 de Janeiro não foram incluídos no relatório final do inquérito da PF sobre a tentativa de golpe, embora os investigadores tenham apontado ligações entre os atos e Bolsonaro.
Especialistas, no entanto, veem fragilidade no elo apontado entre o ex-presidente e o 8 de Janeiro. Para o professor de Direito Penal da Uerj, Davi Tangerino, não há elementos suficientes na denúncia que atestem Bolsonaro coordenou os atos, embora seja possível dizer que ele provavelmente tinha ciência e seria beneficiário direto de uma ruptura democrática.

Advogada criminalista e conselheira do Instituto Baiano de Direito Processual Penal, Thaís Bandeira avalia que a conexão entre Bolsonaro e os atos é baseada apenas na delação do tenente-coronel Mauro Cid. Para ela, este seria um ponto de “fragilidade” na denúncia de Gonet.
A delação premiada, obviamente, não é só chegar lá e contar um monte de fatos. A pessoa precisa ter fatos, provas, indícios mínimos de autoria, de materialidade pros fatos ali retratados, mas é um ponto controverso no Brasil você “confiar” num réu que é colaborador. Mauro Cid não deixa de ser um dos acusados, então é confiar em alguém que está efetivamente cometendo um crime., Thaís Bandeira, advogada criminalista e conselheira do Instituto Baiano de Direito Processual Penal.
“Não vi nada que apoiasse a ideia de que ele, diretamente, coordenou, determinou, o 8 de Janeiro. Para mim, é o link mais fraco [da denúncia]. A vinculação do ex-presidente a esse evento é distante.”, Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

PGR usou teoria do caso Mensalão em denúncia contra Bolsonaro
Gonet usou “mensagens trocadas diretamente” por Bolsonaro para mostrar ligação dele com os atos. Em 2 de janeiro de 2023, o ex-presidente recebeu mensagem do major da Aeronáutica Maurício Pazini Brandão, em que ele dizia que “o plano foi complementado com as contribuições da sua equipe”. “Aguardamos na esperança de que será implementado. (…) A ‘minha tropa’ (hehehe) continua com sangue nos olhos”, diz ainda o texto.
Não há evidências na denúncia de que Bolsonaro tenha respondido o contato. No dia em que os ataques à Praça dos Três Poderes ocorreram em Brasília, o ex-presidente estava nos Estados Unidos, argumento usado por ele e pela defesa para desvinculá-lo da posição de líder da tentativa de golpe.
Especialistas apontam que Gonet usou tese aplicada no caso do Mensalão para vincular Bolsonaro aos ataques. Chamada de “teoria do domínio do fato”, ela pressupõe que o autor tem o controle da ação criminal, embora não tenha diretamente praticado o crime.
Por isso, não seria necessário um “batom na cueca”, ou seja, uma prova cabal da ligação de Bolsonaro. No entendimento de Gonet, o 8 de Janeiro foi o desfecho de uma escalada golpista iniciada pelo ex-presidente desde 2021, com ataques ao sistema eleitoral e incitação de intervenção militar no Brasil. Ao adotar este discurso na posição de chefe do Executivo e das Forças Armadas, Bolsonaro, conclui Gonet, seria líder de uma organização criminosa que buscava um golpe de Estado.
O discurso encontrado na sala de Jair Messias Bolsonaro reforça o domínio que este possuía sobre as ações da organização criminosa, especialmente sobre qual seria o desfecho dos planos traçados – a sua permanência autoritária no poder, mediante o uso da força.
Trecho da denúncia em que Gonet fala sobre domínio de Bolsonaro sobre os atos preparatórios do golpe
Para Bandeira, a teoria do domínio do fato poderia ser aplicada no caso de Bolsonaro. “A teoria do domínio do fato seria aplicada para um fato como esse, em que o presidente da República não precise estar presente nos atos antidemocráticos, mas pode ter estimulado essa insurreição”, explica.
O professor de Direito da USP e do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), Vinicius Vasconcellos, lembra que o uso dessa teoria foi criticado no Mensalão. “Essa teoria foi criada para outra finalidade, não para servir como uma presunção de que as pessoas em posição de poder (chefes, diretores etc.) sabem e controlam todos os atos de seus subordinados. Mas, se o STF utilizou ela assim no Mensalão, talvez utilize agora novamente”, explicou.

Denúncia está bem estruturada, apontam especialistas
Vinícius Vasconcellos avalia que a acusação da PGR apresenta o que é necessário nesta fase do processo. Ele explica que a denúncia é apenas um dos momentos do processo, em que se aponta se há os chamados “indícios de autoria” de um crime. A partir do que está contido na acusação, a 1ª Turma do STF ainda vai decidir se aceita ou não a acusação. “Neste momento, penso que a denúncia descreve adequadamente os fatos e a contribuição dos envolvidos. Penso que a narrativa da acusação está bem estruturada”, conclui.
Apesar de ver fragilidades, Thaís Bandeira avalia que a acusação tem elementos mínimos para ser aceita. Ela explica que ainda serão produzidas novas provas para sustentar as acusações de Gonet, caso o STF acate a denúncia. A denúncia é um primeiro momento. As provas, com documentos e testemunhas, serão produzidas ao longo do processo. Na denúncia, por exemplo, o Gonet cita seis testemunhas que a PGR pretende ouvir para comprovar a delação de Mauro Cid”, destaca.