De O Globo – Com promessas de riqueza e segurança, um agente federal americano tentou recrutar o piloto-chefe do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, com o objetivo de desviar o avião presidencial de sua rota a um local onde as autoridades dos EUA pudessem capturá-lo.
A proposta, noticiada com exclusividade pela Associated Press nesta terça-feira, foi feita em uma reunião secreta em 2024, ainda sob o governo de Joe Biden, mas o general venezuelano Bitner Villegas, embora tenha mantido contato com o agente, não se comprometeu e o plano acabou fracassando.
O episódio revela uma nova camada dos esforços de Washington para derrubar o líder venezuelano, desde antes da mobilização militar no Caribe iniciada em setembro, já sob o governo de Donald Trump.
Segundo a AP, o plano teve início quando um informante procurou a Embaixada dos EUA na República Dominicana, onde o agente Edwin Lopez trabalhava, afirmando ter informações sobre dois aviões de Maduro em manutenção no país, possivelmente violando sanções americanas.
Lopez então rastreou essas aeronaves, que estavam localizadas no aeroporto La Isabela, em Santo Domingo, e identificou cinco pilotos venezuelanos que estavam na ilha a mando de Maduro para recuperar os jatos multimilionários (um Dassault Falcon 2000EX e um Dassault Falcon 900EX. De acordo com a AP, os cinco foram interrogados por Lopez sob pretexto de uma conversa informal, com a permissão de seus superiores no Departamento de Segurança Interna.
Durante o encontro com Villegas — membro da guarda de honra presidencial de elite e coronel da Força Aérea venezuelana —, o agente confirmou que ele havia pilotado tanto para Maduro quanto para seu antecessor, o ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013), e gravou a conversa secretamente. Apesar de ter ficado nervoso com a abordagem, Villegas deu seu contato para Lopez quando ele revelou a proposta de desviar um avião carregando Maduro para um local onde pudesse entregá-lo às autoridades americanas.
Enquanto os EUA avançavam na apreensão dos jatos ligados ao governo venezuelano (um deles apreendido no ano passado e o outro, em fevereiro deste ano), Lopez manteve contato com Villegas por aplicativos criptografados, mesmo após se aposentar. Tentou convencê-lo diversas vezes, reforçando a promessa de liberdade e “uma nova vida nos Estados Unidos”.
Em agosto, Lopez anexou um link para um comunicado de imprensa do Departamento de Justiça anunciando que a recompensa para a captura de Maduro havia aumentado para US$ 50 milhões (em torno de R$ 267 milhões), acrescentando que “ainda há tempo para ser o herói da Venezuela e estar do lado certo da história”.
Lopez chegou a ameaçar o piloto com uma foto tirada no dia em que conversaram pela primeira vez, no hangar do aeroporto em Santo Domingo, e tentou convencê-lo de que entregar Maduro levaria a um “futuro melhor” para seus filhos, descreve a AP, que teve acesso às mensagens.
Villegas, porém, resistiu firmemente e interrompeu as conversas, chegando a chamar Lopez de covarde em uma troca de mensagens. “Nós, venezuelanos, somos feitos de um material diferente”, escreveu. “A última coisa que somos é traidores.”

Plano B
Em setembro, após o início da mobilização militar americana no Caribe e depois de uma última tentativa de contato com Villegas, Lopez e aliados da oposição venezuelana (cujos nomes não foram mencionados na reportagem) decidiram mudar de tática.
O plano agora seria desestabilizar Maduro divulgando publicamente a mesma foto do piloto no hangar. Quem o fez foi um ex-funcionário de segurança dos EUA, Marshall Billingslea, ao publicar nas redes sociais um falso parabéns a Villegas, mas com o agente Lopez cortado do registro.
A postagem viralizou, sendo vista por quase 3 milhões de pessoas, e coincidiu com um voo presidencial que retornou inesperadamente a Caracas naquele mesmo dia, levando à especulação de que Villegas havia sido detido. Porém, dias depois, ele reapareceu em um programa de TV apresentado pelo ministro do Interior Diosdado Cabello, que ironizou a ideia de traição, chamando-o de “patriota inabalável e implacável”.
Manobras no Caribe
A tensão entre Venezuela e Estados Unidos atingiu um nível elevado no último mês, com Trump confirmando ter aprovado operações secretas da CIA no país sul-americano, e tratando abertamente sobre sua intenção de realizar ataques por terra contra grupos ligados ao tráfico de drogas na região. A operação atualmente está focada no afundamento de barcos no Caribe e no Pacífico — que já resultou em 57 mortes, sendo as últimas 14 relatadas pelo Pentágono nesta terça-feira.
Publicamente, o governo Trump afirma que a missão é combater o tráfico de drogas a partir da Venezuela, por conta do aumento recente de mortes por overdose nos EUA — embora isso tenha sido causado pelo fentanil, que vem de laboratórios no México. Além disso, a Venezuela é um ator relativamente menor no tráfico global de drogas em comparação com Colômbia, México, Bolívia ou Peru.
Caracas, por sua vez, afirma que a manobra como um todo é parte de um plano mais abrangente para depor Maduro, a quem Washington acusa Maduro de liderar o Cartel de los Soles.
Washington promove a maior concentração de ativos militares na região desde o final dos anos 1980, quando invadiu o Panamá para capturar o ditador Manuel Noriega. Os movimentos mais recentes que o Pentágono anunciou em sua chamada “guerra ao narcotráfico” foram os envios do USS Gravely, um contratorpedeiro equipado com modernos mísseis Tomahawk, para Trinidad e Tobago — ilha caribenha localizada a menos de 10 km do território venezuelano —, o deslocamento do porta-aviões Gerald R. Ford, descrito pela Marinha americana como “a plataforma de combate mais capaz, adaptável e letal do mundo”, e o recente sobrevoo de bombardeiros supersônicos na costa venezuelana.
A resposta venezuelana à campanha americana tem sido promover uma mobilização militar constante e ampliar o recrutamento de reservistas. Há cerca de um mês, exercícios militares estão sendo realizados quase que diariamente, com treinamentos simultâneos em mais de 70 pontos da costa venezuelana apenas na semana passada. Maduro também já afirmou que suas Forças Armadas dispunham de 5 mil mísseis antiaéreos russos em ponto de uso, caso alguma ameaça se consolide.









