Por Ricardo Antunes – Baleado pela esposa, Natália Tavares, com um tiro no tórax, na manhã desta quinta-feira (27), o juiz Carlos Eduardo das Neves Mathias, de Ouricuri, no Sertão, foi alvo de uma representação administrativa e uma criminal impetradas pela OAB-PE no TJPE (Tribunal de Justiça de Pernambuco), em 2018, por abuso de poder, quando era titular da Comarca de Tacaratu, também no Sertão.
Os advogados Afrânio Gomes de Araújo Lopez Diniz e Hélcio de Oliveira França receberam voz de prisão do juiz, quando comandava a Vara de Tacaratu, por insistirem em ter acesso aos autos de um inquérito policial de clientes, conforme divulgou na época a revista Consultor Jurídico.
De acordo com relato dos advogados e de funcionários da Vara, os advogados foram ao Fórum de Tacaratu para terem acesso ao decreto de prisão temporária contra os clientes deles. O juiz Carlos Eduardo Neves Mathias informou que não estava com o decreto, que estaria na sua casa ou na delegacia. Houve, a partir daí, uma discussão entre eles e Mathias pediu que os advogados se retirassem. Diante da recusa, deu voz de prisão, alegando desacato, e chamou a polícia.
Relata o Consultor Jurídico que Afrânio e Hélcio foram conduzidos à delegacia de Tacaratu. Foram ouvidos, assim como o juiz Carlos Eduardo Mathias. Um Termo Circunstancial de Ocorrência (TCO) foi aberto contra os advogados. Os defensores também registraram dois Boletins de Ocorrência contra o juiz por abuso de autoridade. Afrânio e Hélcio foram liberados após dez horas na delegacia.
Os advogados gravaram a conversa, publicada pela revista Consultor Jurídico. Confira trechos do áspero diálogo, de acordo com a reportagem da revista.
Advogado Hélcio França — O principal pra gente, pelo menos para mim, o principal de tudo é o decreto. Eu não posso fazer nada sem o decreto. Não tem como eu ir ao tribunal, nem discutir com o senhor se eu não sei o decreto. Eu não posso pedir nem para revogar a temporária se eu não sei o motivo que o senhor colocou na temporária [referindo-se à prisão temporária de seu cliente].
Juiz Carlos Eduardo — Certo. Você tem razão. Eu vou localizar. Tem que tá (sic) lá em casa. Se não estiver lá em casa, tem que estar com a Polícia Civil. Isso eu posso lhe afirmar.
Advogado Hélcio França — Mas o senhor acabou de falar que não está com a Polícia Civil.
Juiz Carlos Eduardo — Mas eu não enviei para o delegado. Mas eu posso ter encaminhado…o mandado de prisão que eu encaminhei esse processo, eu posso ter encaminhado o calhamaço junto…
O advogado Hélcio França então argumenta sobre a dificuldade do trabalho sem o devido acesso ao inquérito policial, além de comentar que poderiam ter ocorrido “prisões arbitrárias, sem investigação”. Diante disso, o juiz pede que os advogados entrem com um Habeas Corpus:
Juiz Carlos Eduardo — Vamos fazer o seguinte. Entrem com um habeas corpus no tribunal dizendo que o juiz está se negando a entregar a representação. Pronto. Façam isso.
Advogado Hélcio França — Eu posso fazer, excelência.
Juiz Carlos Eduardo — Porque vocês estão afrontando a minha idoneidade aqui.
Advogado Hélcio França — Não, jamais…
Juiz Carlos Eduardo — Tá faltando com o respeito comigo…
Advogado Hélcio França — Não, aí eu vou pra Corregedoria…
Juiz Carlos Eduardo — Estão querendo me igualar à Polícia. Eu não vou aceitar isso, não.
Advogado Hélcio França — Eu também não vou aceitar não ter acesso [à documentação].
Juiz Carlos Eduardo — Então entrem com um HC contra mim.
Advogado Hélcio França — Eu vou entrar e vou entrar na Corregedoria também.
Juiz Carlos Eduardo — Então pode sair da sala.
Advogado Hélcio França — Não, calma, não é assim não.
Juiz Carlos Eduardo — Pode sair da sala, meu amigo! Saia da sala! Saia da sala!
Advogado Hélcio França — Tenha respeito.
Juiz Carlos Eduardo — A Polícia!
Advogado Hélcio França — Tenha respeito. Chame a Polícia.
Nesse momento, segundo áudio e advogado, o juiz chama um soldado e ordena a prisão.
Juiz Carlos Eduardo — Pode prender! O senhor (Hélcio França) e o senhor (Afrânio Gomes de Araújo) por me desacatar! Estão insinuando que eu não quero dar acesso aos documentos. Os dois estão me desrespeitando.
Advogado Hélcio França — Eu só saio preso daqui com um representante da OAB. Eu lhe tratei sem respeito?
Juiz Carlos Eduardo — Eu disse, se o processo estiver lá em casa, eu vou trazer amanhã. O único que não me tratou sem respeito aqui foi o doutor Marllos [Marllos Hipólito, terceiro advogado presente na sala e que também tentava obter acesso ao mesmo processo em questão] e estão insinuando que estou agindo de forma ilegal.
Advogado Hélcio França — Eu disse que o senhor, até agora, não nos deu acesso a nada.
Juiz Carlos Eduardo — Vocês estão presos. Vão ser liberados. Vai ser lavrado um TCO .
Advogado Hélcio França — Eu não vou ser preso, não.
Juiz Carlos Eduardo — Isso é desacato!








