Do Metrópoles – O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), afastou parecer da área técnica da Corte e livrou o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), membro da bancada evangélica no Congresso Nacional, de multa e de ressarcir os cofres públicos por ter empregado em seu gabinete uma suposta funcionária fantasma.
Dessa forma, o ônus de R$ 20 mil, em multa, mais R$ 164 mil pelo acúmulo indevido de remunerações ficou somente à custa de Solange de Oliveira Mota. A mulher acumulou os cargos de secretária parlamentar de Aguinaldo Ribeiro e o de auxiliar de limpeza em uma escola estadual na cidade de Sapé (PB), em uma jornada de 40 horas semanais.
A Unidade de Auditoria Especializada em Tomada de Contas Especial do TCU havia concluído pela responsabilização tanto da ex-funcionária quanto de Aguinaldo Ribeiro, por entender que o parlamentar, como superior hierárquico dela, “permitiu pagamentos de remuneração à comissionada sem a comprovação do cumprimento das tarefas laborais”. Parte do parecer, no entanto, foi rejeitada por Bruno Dantas, que acatou os argumentos do ex-ministro das Cidades do governo Dilma Rousseff, responsabilizando somente Solange Mota.
“A questão central a ser dirimida, em relação a esse responsável, é se a responsabilidade pela ausência de contraprestação laboral de um secretário parlamentar pode ser diretamente imputada ao deputado federal em cujo gabinete o servidor está lotado, ou se a existência de uma estrutura administrativa intermediária, formalmente estabelecida por normas internas, atenua ou afasta essa responsabilidade”, escreveu o ministro do TCU, relator do caso.
O voto de Bruno Dantas é do dia 25 de junho e foi aprovado pelo plenário da Corte. Em seguida, a defesa de Solange ingressou com embargos de declaração, alegando erros e vícios no processo condenatório, o que foi, definitivamente, rejeitado pelo tribunal em 3 de setembro.
Quanto ex-funcionária de Aguinaldo Ribeiro recebeu indevidamente da Câmara dos Deputados

Para a área técnica, o ponto central não estava no cumprimento da jornada de trabalho por Solange Mota, e sim no fato de não ter ficado comprovado “qualquer contraprestação de serviço” dela.
Nesse sentido, os técnicos do TCU relacionam o que chamaram de “inúmeras evidências trazidas” pela Comissão do Processo Administrativo Disciplinar formada no âmbito da Câmara dos Deputados que investigou o caso.
“Inclusive, caso se tivesse demonstrado que Solange de Oliveira Mota havia prestado os serviços – mesmo tendo acumulado ilicitamente os cargos –, poderia até ser afastado o pedido de restituição, já que esta somente é devida quando não houver contraprestação de serviços, mesmo na hipótese de se comprovar o exercício de jornadas de trabalho superiores a 60 horas semanais”, diz trecho do parecer da área técnica do TCU.
No relatório produzido pela Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, o colegiado afirmou que as folhas de frequência de Solange Mota, atestadas pela chefe de gabinete de Aguinaldo Ribeiro, sem qualquer verificação da jornada ou das atividades, eram “materialmente incapazes de comprovar a efetiva contraprestação laboral”.
O colegiado afirmou ainda que a jornada de trabalho dela na escola pública “tornava materialmente impossível a contraprestação laboral simultânea ao cargo federal” entre outubro de 2015 e 1º de dezembro de 2016.

Procurada, a assessoria de imprensa do parlamentar afirmou que “ela desempenhou as funções parlamentares, a que era demandada, e, no momento em que foi entendido pela irregularidade da acumulação dos cargos públicos, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro exonerou a antiga servidora”.
Solange Mota, por sua vez, não retornou aos contatos da reportagem.
A então auxiliar de limpeza trabalhou no gabinete do político paraibano de outubro de 2015 a abril de 2019. O TCU notificou o gabinete do parlamentar em agosto de 2017. A irregularidade, de acúmulo de cargos públicos por parte de Solange, foi levada em conta pela Corte de Contas entre outubro de 2015 e dezembro de 2016, período em que ela também esteve nomeada na escola estadual.
Ainda por recomendação do órgão, a Câmara dos deputados instaurou Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar o assunto. Solange Mota pediu exoneração da Secretaria de Educação da Paraíba em novembro de 2016.
Para o TCU, ficou comprovado que a mulher ocultou da Câmara dos Deputados o vínculo público estadual dela na declaração de posse. O que disseram funcionários de Aguinaldo Ribeiro à Câmara dos Deputados.
O que disseram funcionários de Aguinaldo Ribeiro à Câmara dos Deputados
Ao longo da investigação da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), funcionários lotados no gabinete de Aguinaldo Ribeiro, em Brasília, e na base dele, na Paraíba, foram unânimes em dizer que só o deputado poderia explicar com clareza a rotina de trabalho de Solange Mota, uma vez que não conheciam e nunca falaram com a mulher.
A chefe de gabinete do parlamentar, responsável por atestar a frequência dela e dos demais comissionados, também corroborou a fala dos demais colegas. Essa mesma funcionária disse ainda que não havia relatório de prestação de contas mensais sobre as atividades desempenhadas.
Pelo tipo do cargo que ocupam no Legislativo federal, os secretários parlamentares trabalham 40 horas semanais e são dispensados de bater ponto. Ainda assim, eles têm a frequência de trabalho atestada pelo parlamentar ou pessoa do gabinete designada pelo político.
Diante da falta de conhecimento dos comissionados de Aguinaldo Ribeiro sobre as atribuições de Solange Mota, a Comissão encaminhou, quatro vezes, memorandos ao parlamentar, cobrando explicações sobre quais atividades ela desempenhava na Paraíba.
O político, no entanto, ignorou todos os ofícios do colegiado. Os memorandos foram encaminhados ao parlamentar em 2017, 2019, 2020 e 2021. O deputado federal só rompeu o silêncio diante do TCU, após a Corte de Contas investigar o caso de Solange Mota. Ele disse que ela era responsável, entre outros pontos, por articular e contatar lideranças regionais na Paraíba.
A Câmara dos Deputados considerou a mulher culpada na conclusão do PAD, ainda em 2022, ou seja, anos após ter sido exonerada do gabinete parlamentar. Ela também recebeu punição de destituição de cargo em comissão, ou seja, não pode ser nomeada para função pública federal.
No relatório final da Comissão, o colegiado reportou a suposta omissão e recusa do parlamentar em explicar o horário de trabalho de Solange Mota e as atividades que ela desempenhava. A área técnica do TCU usou essa informação, além do fato de os servidores apontarem que só Aguinaldo Ribeiro sabia dos horários e das atividades de Solange.
A Comissão concluiu que a ausência de manifestação do gabinete do deputado sobre a jornada, os horários e as atividades da servidora indicava que o exercício do cargo estadual se deu em “completo prejuízo da contraprestação laboral devida à Câmara dos Deputados”.
O Colegiado afirmou que competia ao deputado informar ao servidor responsável por atestar frequência “qualquer ocorrência verificada em determinado mês, como, por exemplo, faltas ou atrasos injustificados”.
Dessa forma, o colegiado não enxergou, por exemplo, responsabilização da chefe de gabinete dele. Para o colegiado, ficou claro que ela não sabia que Solange Mota acumulava cargos. O TCU também não viu ilegalidade na ação da chefe de gabinete do parlamentar.
Quando o caso passou a ser analisado no TCU, Aguinaldo Ribeiro afirmou que nomeou a mulher de boa-fé e que não sabia que ela tinha outro emprego na administração pública.
Quanto ao expediente de Solange Mota, em sua defesa Aguinaldo empurrou a responsabilidade para a sua chefe de gabinete. De forma geral, o parlamentar reiterou que não havia como atribuir-lhe qualquer irregularidade na forma ou nos horários dos serviços de Solange Mota, pois a apuração da suposta ausência de contraprestação era responsabilidade do chefe direto.

Quem é Aguinaldo Ribeiro, que empregou funcionária fantasma na Câmara
Natural de Campina Grande (PB), Aguinaldo Ribeiro, atualmente com 56 anos, ingressou na Câmara dos Deputados em 2011 e, desde então, segue filiado ao Partido Progressista (PP).
Ele se apresenta nas redes sociais como o parlamentar que mais destinou recursos à Paraíba. Na Câmara dos Deputados, foi relator da Reforma Tributária, aprovada pela Casa em dezembro de 2023. Atualmente, ele é relator do projeto de lei que busca regular o desenvolvimento e o uso de Inteligência Artificial (IA) no país.
Cacique do Centrão, ele foi denunciado em 2017, ao lado do presidente da legenda, Ciro Nogueira, e de Arthur Lira (PP-AL), pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por organização criminosa, em um desdobramento da Lava-Jato.
Os três foram acusados de comandar um esquema de corrupção que teria causado prejuízo bilionário na Petrobras. Os parlamentares sempre negaram as acusações. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu arquivar o inquérito, conhecido como “quadrilhão do PP”.
Aguinaldo Ribeiro já foi ministro das Cidades, entre 2012 e 2014, durante o governo Dilma Rousseff, mas teve posicionamento controverso no decorrer do processo de impeachment dela, em 2016. Ele votou, em plenário, pela cassação do mandato da então presidente da República e rompeu, pouco tempo depois, com o algoz da petista à época, Eduardo Cunha, que, na ocasião, presidia a Câmara dos Deputados.
Com a ascensão de Michel Temer (MDB) ao Palácio do Planalto, ele se tornou líder de governo na Câmara dos Deputados em mais uma prova do fisiologismo do Centrão.
Aguinaldo Ribeiro é de uma família de políticos. Tanto o pai quanto a mãe foram prefeitos na Paraíba. O pai dele, Enivaldo Ribeiro, atualmente com 90 anos, também foi deputado federal, entre 1995 e 2007. Antes de assumir uma cadeira no Legislativo Federal, Aguinaldo Ribeiro foi deputado estadual por dois mandatos.
Nas eleições de 2022, o deputado declarou à Justiça Eleitoral ter R$ 3,4 milhões em patrimônio, entre terrenos, apartamento e imóvel comercial na Paraíba.
O que diz Aguinaldo Ribeiro
Leia a íntegra da nota da assessoria de imprensa do deputado federal:
“A senhora Solange Oliveira Mota, no momento em que foi contratada como assessora parlamentar por este gabinete, apresentou declaração de não acumulação de cargos públicos. Ela desempenhou as funções parlamentares, a que era demandada e, no momento em que foi entendido pela irregularidade da acumulação dos cargos públicos o deputado federal Aguinaldo Ribeiro exonerou a antiga servidora.
Assim, o Tribunal de Contas da União ao analisar o PAD instaurado pela Câmara dos Deputados entendeu pela inexistência de responsabilidade do deputado sobre o acúmulo de cargos da funcionaria Solange Oliveira Mota e o isentou de toda e qualquer responsabilidade, conforme Acórdão 1. 378/2025. Na decisão, o TCU julgou ‘suas contas regulares’”.








