Por Norton Lima, Jr — Eu sou do tempo das Havaianas imbatíveis, do “não solta as tiras, não derrapa e não tem cheiro”. Parece que esse tempo passou, porque a campanha publicitária de final de ano das sandálias Havaianas fez o astral leve da marca pesar, derrapar e feder de tão ruim.
No Brasil, tudo começa “com o pé direito”. O Brasil festeja o pensamento positivo. Desejar que algo ou alguém “não comece com o pé direito” é o mesmo lançar maldição, amaldiçoar, jogar praga, praguejar.
As Havaianas (uma marca querida) brincou com algo que o brasileiro não brinca, com a própria sorte. A peça publicitária foi infeliz, mal concebida, ruidosa, negativa.

Desejar que o brasileiro não comece o ano com o pé direito e ainda meta o pé na jaca é o mesmo que pedir para o brasileiro não pular as sete ondas, não jogar flores ao mar, não comer romã, não abrir espumante, enfim, não brindar. O brasileiro não brinca com sorte, especialmente no Réveillon — um dos poucos momentos em que o país inteiro se une em rituais de positividade.
Não é “crendice boba”. É cultura brasileira. É identidade nacional. É o que nos une como povo.
Os deuses da publicidade estão horrorizados. Essa campanha violou brutalmente princípios claríssimos. A peça publicitária confundiu disrupção com desrespeito. Confundiu ousadia na redundância com surdez no ruído.
Se a campanha queria chamar atenção, chamou — mas pelos motivos errados. Não vendeu chinelos, vendeu revolta.
Você desejaria que sua família “não começasse o ano com o pé direito” e “metesse o pé na jaca”? Claro que não. E o que você diria ao pé de chinelo que praguejasse tal maldição?
A Havaianas foi contra as tradições culturais brasileiras; contra as crendices populares brasileiras para a virada de ano; enfim, contra a própria marca. Zombar das crendices e tradições de um povo inteiro não é “ousadia criativa”, mas arrogância publicitária. É tratar o consumidor com desprezo.
A marca é a soma total das experiências do consumidor. As Havaianas têm décadas de posicionamento positivo. Trata-se de uma grande marca — alegre, leve, brasileira; associada à praia, verão, descontração; colada a tudo que significa o Reveillon brasileiro. Mas jogaram tudo isso fora. Tornou-se a marca que amaldiçoou as crenças do Reveillon brasileiro. Por quê? Por uma campanha “edgy”?
Essa campanha é um estudo de caso do que nunca fazer. As Havaianas meteram o pé na jaca. Demitam quem aprovou isso. Peçam desculpas públicas. Façam um suíte contra o pé esquerdo. Voltem ao que sempre funcionou. Não derrapem, não soltem as tiras e parem de cheirar. E lembrem-se: uma marca leva décadas para construir e segundos para destruir.
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*Norton Lima Jr. é jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFCE)









