Do Abraji – A segunda edição do Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas, projeto da Abraji, revela um avanço no número de ações utilizadas para intimidar profissionais da imprensa no país. Entre 2024 e setembro de 2025, foram 130 novos casos. Lançado inicialmente em 2024 com 654 processos mapeados, o relatório atualizado amplia esse volume para 784 ações nos últimos 11 anos. O levantamento é realizado com apoio da Embaixada da França, do Instituto Betty e Jacob Lafer e em parceria com o Jusbrasil.
Um dos eixos centrais da nova publicação examina o impacto das decisões do Supremo Tribunal Federal nas ADIs 6792 e 7055, julgadas em 2024. Foi a primeira vez que a Corte tratou expressamente do assédio judicial, reconhecendo a prática e estabelecendo parâmetros para impedir que o sistema de Justiça seja usado como instrumento de silenciamento da imprensa.
As ações, propostas em 2021 pela Associação Brasileira de Imprensa (ADI 6792) e pela Abraji (ADI 7055), contestavam a pulverização de processos idênticos em diferentes comarcas, muitas vezes se utilizando dos Juizados Especiais Cíveis (JECs), e apontavam como esse mecanismo vinha impondo custos financeiros e estruturais capazes de inibir a atividade jornalística.
No julgamento, os ministros reconheceram que a multiplicação territorial de ações idênticas gera um efeito inibidor sobre jornalistas, e fixaram três fundamentos: reconhecimento jurídico do assédio judicial; reunião das ações idênticas no foro do jornalista ou do veículo; responsabilização civil da imprensa apenas em casos de dolo ou culpa grave.
O relatório do Monitor de Assédio mostra que a aplicação do precedente ainda é tímida. Entre 50 casos analisados com decisões posteriores ao acórdão do STF:
- 74% não mencionaram as ADIs 6792 e 7055;
- Apenas 26% citaram o precedente;
- Entre os casos que mencionaram as ADIs, 38% tiveram decisões desfavoráveis à liberdade de imprensa.
Crescimento do assédio judicial desde 2020
Além da análise jurisprudencial, o relatório atualiza as estatísticas gerais do Monitor. Embora nem todos os 130 novos casos correspondam a ações iniciadas em 2025, a consolidação histórica revela uma tendência clara de crescimento do assédio judicial a partir de 2020, com 62 processos registrados em 2021, 65 em 2022, 80 em 2023 e 53 em 2024.

Os dados também mostram que 67,2% dos 455 processos civis estão concentrados nos Juizados Especiais Cíveis, frequentemente utilizados por permitirem ações sem custo inicial para o autor, enquanto 29% dos casos analisados pelo Monitor aparecem na esfera criminal, considerada particularmente grave por seu potencial de gerar autocensura.
No conjunto total dos 784 processos registrados, 86,4% tramitam na área cível e 13,6% na penal; porém, quando observamos os 126 casos de assédio judicial, o uso do sistema criminal ganha maior relevância, representando 29,1% dos casos, em comparação aos 70,9% na esfera cível.
Litigantes contumazes
O relatório também atualiza o ranking dos chamados litigantes contumazes — autores que mais ajuizam ações classificadas como assédio judicial. O cenário mostra a predominância de figuras com capacidade estruturada de litígio, como agentes políticos, empresários, membros do Judiciário e associações.
Entre 2024 e 2025, os principais litigantes identificados pelo Monitor foram Luciano Hang, empresário que passou de 53 para 56 ações (um aumento de 3 novos processos identificados), Guilherme Henrique Branco de Oliveira, advogado e agente político que foi de 47 para 49 ações, com 2 novos casos encontrados, e Julia Pedroso Zanatta, agente política que registrou o crescimento mais expressivo, saltando de 12 para 33 ações, o que representa 21 novos processos. Quando observados por grupos de poder, os dados reforçam a predominância de atores com maior capacidade de mobilização jurídica e financeira na prática do assédio judicial.
Quando analisado por grupos de poder, o Monitor revela:
- 48% dos casos associados ao poder associativo;
- 25% ao poder político;
- 15,9% ao poder econômico;
- 11,1% ao poder jurídico.
Segundo o relatório, a predominância desses grupos está ligada tanto ao escrutínio público a que estão submetidos quanto à maior capacidade financeira e jurídica para sustentar litígios em série.
Assédio judicial segue como ameaça à liberdade de imprensa
Com 784 processos catalogados desde o início do Monitor, a nova edição reforça que o assédio judicial permanece como uma ameaça real e crescente à liberdade de imprensa no Brasil. Embora o STF tenha dado um passo importante ao reconhecer e definir parâmetros para combater a prática, o diagnóstico mostra que a aplicação desse entendimento está longe de ser uniforme.
Para a Abraji, consolidar o monitoramento e expandir o entendimento sobre o fenômeno é essencial para garantir que o Judiciário não seja usado como ferramenta de intimidação, e para proteger o direito da sociedade de acessar informação jornalística independente.
O relatório apresenta um conjunto de recomendações:
- Ajustar a taxonomia dos processos adotada pelo CNJ, facilitando a identificação de casos relacionados à liberdade de imprensa e implementando um mecanismo unificado e público de consulta processual.
- Assegurar formação e sensibilização de integrantes do Poder Judiciário sobre liberdade de imprensa e padrões internacionais de direitos humanos, garantindo decisões alinhadas ao entendimento de que o assédio judicial representa ameaça às liberdades democráticas.
- Uniformizar os parâmetros jurisprudenciais sobre liberdade de imprensa, reduzindo a insegurança jurídica e fortalecendo a aplicação dos direitos constitucionais e das normas internacionais de proteção.
- Acompanhar, por meio do CNJ, a aplicação das recomendações relacionadas a assédio judicial, judicialização predatória e litigância abusiva, incluindo o monitoramento de casos emblemáticos para apoiar magistrados na identificação precoce dessas práticas.
- Aprovar uma legislação protetiva contra o assédio judicial, incorporando esse tema às políticas públicas de defesa de jornalistas, comunicadores, defensores de direitos humanos e demais ativistas.








