Roberta Jansen e Marina Barbosa, especial para o Estado de S. Paulo
RIO e RECIFE – Quase um quarto dos jovens brasileiros (23%) nem estuda nem trabalha, segundo os novos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD contínua) sobre educação,
divulgados na manhã desta quarta-feira, 19. O porcentual é ainda mais
alto na faixa etária que vai dos 18 aos 24 anos, idade em que,
teoricamente, deveriam estar na universidade, chegando a 27,7%.
“Mas
não chamem esses jovens de 'nem, nem'”, pediu a pesquisadora Marina
Aguas, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento (Coren) do IBGE,
responsável pela apresentação da pesquisa. “O fato de nem estarem
estudando, nem trabalhando não significa que sejam inúteis. Uma grande
parte das mulheres, por exemplo, está ocupada com o trabalho doméstico,
com o cuidado de idosos e crianças. Há questões de gênero importantes
por trás dessa estatística.”
A família Santos conhece bem essa realidade. Naturais do Recife,
os gêmeos Maurício e Maurílio dos Santos, de 29 anos, já tiveram três
filhos cada um. Por isso, suas mulheres tiveram que largar os estudos e
os trabalhos para cuidar dos filhos e da casa. Elas ainda aceitaram
morar em cima da casa da sogra, no bairro do Pina, zona sul da capital
pernambucana, para se livrar do aluguel e fazer com que o pequeno
rendimento dos maridos dure o mês inteiro.
“Moro aqui porque as
contas são apertadas”, explicou Karla Campos da Silva, de 29 anos,
admitindo que o que queria mesmo era trabalhar como enfermeira e ter uma
casa própria. Esse sonho, no entanto, ficou pelo caminho quando
engravidou de Maurício, sem planejar, aos 18 anos. “Eu estava no segundo
ano do colégio, mas desisti porque não tinha com quem deixar a bebê”,
conta a dona de casa, que, depois da gravidez, até chegou a concluir o ensino médio, mas nunca teve condições de começar o curso de enfermagem que tanto queria.
Com
a primeira filha pequena, ela partiu, então, para outras ocupações. Não
demorou muito para sair do trabalho, pois engravidou novamente. “Com
três filhos, fica impossível arrumar um emprego. Não dá para pagar
creche para três. E também não sobra tempo para estudar”, argumenta
Karla, que hoje é cuida dos filhos de 11, 7 e 4 anos e da casa.
Ela depende do salário do marido, que é balconista de um
supermercado, para pagar as contas. A cunhada Jéssica Cândido de Souza,
de 28 anos, por sua vez, não tem a mesma sorte, pois o marido não tem um
emprego fixo. Maurílio vive de bicos. Por isso, nem sempre consegue
pagar as contas de casa, onde Jéssica passa o dia cuidando dos três
filhos, de 11, 4 e 1 ano de idade, e dos afazeres domésticos.
“Queria
trabalhar para ajudar. Faria qualquer coisa. Mas não consigo. Minha
vida é cuidar dos meninos e limpar a casa”, diz Jéssica, admitindo que
já teve que pedir ajuda à família e aos amigos nos dias mais críticos,
quando chegou a faltar até comida dentro de casa. “Não voltei para a
escola, porque não tinha com quem deixar o bebê.”
Jovens
A
PNAD revela que o Brasil tem 47,3 milhões de jovens, de 15 a 29 anos de
idade. Desse total, 13,5% estavam ocupados e estudando; 28,6% não
estavam ocupados, porém estudavam; 34,9% estavam ocupados e não
estudavam. Finalmente, 23% não estavam ocupados nem estudando. Os
porcentuais aferidos em 2018, segundo os pesquisadores, são similares
aos de 2017.
“É importante ressaltar que elevar a instrução e a
qualificação dos jovens é uma forma de combater a expressiva
desigualdade educacional do país”, sustenta a pesquisa. “Além disso,
especialmente em um contexto econômico desfavorável, elevar a
escolaridade dos jovens e ampliar sua qualificação pode facilitar a
inserção no mercado de trabalho, reduzir empregos de baixa qualidade e a
alta rotatividade.”
A desigualdade se revela ainda mais
acentuada quando aplicado o recorte por raça e gênero. Entre as pessoas
brancas, 16,1% trabalhavam e estudavam –
mais do que entre as pessoas autodeclaradas de cor preta ou parda
(11,9%). Os porcentuais de pessoas brancas apenas trabalhando (36,1%) e
apenas estudando (29,3%) também superou o de pessoas pretas e pardas,
34,2% e 28,1%, respectivamente. Consequentemente, o porcentual de
pessoas pretas ou pardas que não trabalhavam nem investiam em educação é
de 25,8%, 7 pontos porcentuais mais elevado que o de brancos.
Comparando homens e mulheres, o problema se repete de forma ainda
mais grave. Entre as mulheres, a pesquisa mostrou que o porcentual das
que não trabalhavam nem estudavam era de 28,4%. O de homens é bem menor:
17,6%.
De acordo com a pesquisadora, parte da explicação para
este fenômeno está nos trabalhos domésticos. A realização de afazeres
domésticos ou o cuidado com outras pessoas foram os motivos alegados por
23,3% das mulheres para não estarem estudando nem trabalhando. Entre os
homens, esse porcentual é de meros 0,8%. Os números se mantêm estáveis
desde 2017.
Aguas cita como exemplo um outro indicador levantado
pela pesquisa. A PNAD contínua divulgada nesta quarta aferiu pela
primeira vez a frequência a creches, entre crianças de até um ano de
idade (a educação é obrigatória no Brasil a partir dos 4 anos). No
total, somente 12,5% frequentavam a creche. E os piores índices estavam,
justamente, no Norte (3,0%) e no Nordeste (4,6%) – lugares onde a participação das mulheres no mercado de trabalho também é mais baixa.
Analfabetismo
Segundo a PNAD contínua, o Brasil tem 11,3 milhões de pessoas (com 15 anos ou mais) que são analfabetas – uma taxa de analfabetismo
de 6,8%. Em relação a 2017, houve uma queda de 0,1 ponto porcentual, o
que corresponde a uma redução de 121 mil analfabetos. Mais uma vez, os
negros são mais afetados que os brancos: são 9,1% contra 3,9%.
O
analfabetismo no país está diretamente associado à idade. Quanto mais
velho o grupo populacional, maior a proporção de analfabetos; refletindo
uma melhora da alfabetização ao longo dos anos. Segundo os números de
2018, eram quase 6 milhões de analfabetos com 60 anos ou mais, o que
equivale a uma taxa de analfabetismo de 18,6% para este grupo etário.
“A
taxa de analfabetismo em geral vem caindo, a situação melhorou para o
Brasil todo”, afirmou Marina Aguas. “O que a gente observa é uma questão
de idade importante, um componente demográfico. Com esse grupo mais
velho falecendo, a tendência é cair ainda mais.”
No país, a
proporção de pessoas de 25 anos ou mais que finalizaram a educação
básica obrigatória; ou seja, concluíram, no mínimo, o ensino médio,
manteve uma trajetória de crescimento e alcançou 47% da população. O
estudo chama atenção para o porcentual de pessoas com o ensino superior
completo, que passou de 15,7% em 2017 para 16,5% em 2018.
A média de anos de estudos dos brasileiros é de 9,3 anos –
um número que vem crescendo, em média, 0,2 ao ano. A diferença em
relação à raça permanece. Os brancos têm 10,3 anos de estudo, contra 8,4
dos negros. As diferenças regionais também acentuam a desigualdade. O
número mais baixo é no Nordeste, 7,9, e o mais alto, no Sudeste, 10,0.
Rede Pública
A
rede pública de ensino formou 74,3% dos alunos na creche e na
pré-escola. O porcentual aumenta no ensino fundamental, chegando a
82,3%. No ensino superior, no entanto, a situação se inverte. A maior
parte dos alunos é formada por escolas privadas, 74,2%.
“É
natural que tendo cada vez mais gente com o ensino médio completo haja
uma pressão para a expansão do ensino superior”, constata a
pesquisadora. “E quem tem a maior capacidade de resposta é a rede
privada.”







