Por Gilberto Porcidonio, de O Globo — Não se fala de outra coisa nas redes: um desfile de duas mulheres de biquíni em um carro conversível, no Leblon, na Zona Sul do Rio, acabou em briga após uma cliente de um dos restaurantes da Rua Dias Ferreira atirar garrafas d’água em uma delas. Além das cenas que fizeram as redes sociais entrar em polvorosa — fazendo com que o termo “Leblon” estivesse nos trending topics do Twitter até a tarde desta segunda-feira — as cenas de violência, incluindo socos, tapas e também um homem que arranca o biquíni de uma das caronistas também causaram espanto e desaprovação. A professora da Escola de Comunicação da UFRJ Ivana Bentes, por exemplo, criticou em seu facebook os xingamentos misóginos e e se “fariam o mesmo se fosse um homem de sunga”.
A psicóloga e psicanalista Renata Bento, que observou as imagens, percebeu que o imbróglio acabou virando um jogo de agressividades que poderia ter sido cessado desde o início. Para a psicóloga, atos assim que ocorrem durante a pandemia, que não são novos ou exclusivos de agora, tendem a ficar mais intensos durante este momento:
— As pessoas estão mais agressivas, com o pavio curto, e há muita dificuldade de lidar com as regras impostas que nem são tão impostas assim. Este é um momento que as pessoas pensam que podem tudo e, por isso, há um conjunto de atos impulsivos. A moça do carro foi atacada, por exemplo, e acaba revidando da mesma forma. Acabou que todo mundo entrou em um grande vendaval de agressividade e em um momento que todos deveriam estar de máscara, se distanciando e sem recorrer a isso.
Pancadaria no Leblon: mulheres de biquíni em conversível brigam na rua. Entenda tudo no link –> https://t.co/MbqL2XfacV pic.twitter.com/zSgDCi4rD7
— LeoDias 🍿 (@euleodias) September 26, 2020
De acordo com Renata, que tem um escritório justamente no Leblon, comportamentos como o de Priscilla Dornelles e Scheila Mack no carro do engenheiro de produção Wilton Vacari Filho, que também sofreu críticas e teria sido o motivo principal do ataque da arquiteta Aline Araújo Silva, também pode ser uma reação a uma violência que a própria pandemia está causando no emocional das pessoas.
— Expor a alegria e a euforia também é uma forma de entrar em contato com esse momento difícil que estamos pensando, mas as nossas ações sempre reverberam no outro. Somos o tempo todo cutucados por isso e onde é que isso vai cutucar o outro é o que a gente não sabe. Pode não ter uma intenção explícita, mas as pessoas podem se sentir atacadas. Se você se sente agredido, existe outra forma de lidar com isso, como chamar a polícia, e não com as próprias mãos. Senão, vira uma selva — reflete a psicóloga.
Transgressão sanitária
E, no meio disso tudo, onde é que foram parar as máscaras e o distanciamento? Infectologista da UFRJ, Edimilson Migowski percebe que a falta de conscientização sobre o momento da pandemia, que já matou mais de 140 mil pessoas no Brasil e fez mais de 18 mil óbitos no Rio, transformou a Rua Dias Ferreira em um ponto de transgressão sanitária:
— Ali, eu acho que virou uma coisa como se fosse moda transgredir, as pessoas parecem que vão para lá pra fazer isso. Virou um ponto para isso. Isso é curioso e fica sempre muito cheio. Alguém pode ter sido infectado ali naquele momento da briga, pois se se infrigiram várias regras onde fica difícil se manter de máscara pois, afinal, as pessoas estão bebendo e comendo.

Para o infectologista, a única saída para se reverter esse quadro é continuar investindo na informação sobre o número de casos e na responsabilidade de cada um em meio à pandemia e ao seu próprio comportamento.
— Acho que as pessoas estão muito cansadas com essa questão do confinamento e, por isso, a gente tem que trabalhar na conscientização sendo redundante, repetitivo mesmo, e conscientizar todos aos primeiros sinais da enfermidade e orientar no distanciamento e na medicação precoce. Isso fez uma diferença absurda em Volta Redonda, por exemplo — relata Migowski.



