*Por Rômulo França — Vi amigos morrerem por conta da violência. Vi amigos morrerem por causa de drogas. Vi amigos em cárcere por causa da necessidade consumidora imposta pela sociedade.
É, ter a história iniciada em um dos bairros mais pobres do Recife contribui para o desenvolvimento de um pensamento mais social. Pura empatia, sabe?
Mas até que ponto isso é importante e necessário? Qual o preço? Bem, foi caro. Caro demais. Dividimos em muitos e muitos anos de pura privação.

Sabe aquela atenção básica que a gente tanto cobra do governo, tipo aquele curso profissionalizante? Pois é, pode não parecer tão importante pra quem faz intercâmbio ou para quem tem a agenda lotada de atividades particulares no ensino médio. Já pra quem recebe a ficha 19 sem nunca ter tido aula de química ou física, um curso profissionalizante é essencial para iniciar a carreira, de qualquer coisa. A meta sempre é sobreviver.
Vez ou outra me deparo com situações que demoro a esquecer, muitas vezes por um comentário cheio de preconceito com classe social. Pois é, muitas vezes me confundem com quem está do outro lado. Dá pra acreditar? Logo eu, moleque de vila. Panturrilha sempre inchada de subir ladeira.
A verdade é que não quero esquecer das vezes que precisei carregar água, isso me faz dar valor ao banho de chuveiro. Também não quero esquecer da casa velha de taipa ou de andar mais de 20 minutos pra pegar um ônibus lotado. Que Deus me permita sempre lembrar da gelatina do sábado, tão comemorada, muito provavelmente a única sobremesa da semana. É ruim fazer feira, né? Faço sorrindo, sabe quantas vezes fui no mercado com R$5?
As lágrimas escorrem e eu não me sinto menos homem por essa sensibilidade. Ficaria triste se com todas essas memórias não conseguisse pensar, que nada mudou para tantos outros milhares de garotos no Recife.

Sempre me fiz perguntas sociais e sempre me perguntei sobre o papel político nesses casos. Muitas e muitas vezes parei no tempo com o olhar no horizonte me perguntando como seria se houvesse um “sei lá”, vamos dividir direito esse negócio. Não foi fácil. A realidade é dura de verdade.
Quando se fala em cotas, sempre tem um babaca pra falar em igualdade. Certamente um “Enzo” que não aproveita as oportunidades e que acha que um moleque que não tem oportunidade está tirando a dele ou um “Sr. Joao” que lutou e venceu na vida e quer facilidades pro seu filho preguiçoso.
É simples, vamos criar condições igualitárias e a gente mantém a igualdade na hora de ingressar na faculdade.
É fácil começar a participar das conversas decisórias e acreditar que venceu, mas a luta é muito maior. A luta deve ser pensada também por aquele que está lá. Lá na parte mais escura da Cidade, aonde só pega a Globo e o SBT, aonde as pessoas , em conversa, grita “pei pei” depois de citar o nome do bairro. Engraçado, né? Talvez não seja tão engraçado criar filho lá.
A gente pode ser melhor, mas será que a gente luta realmente por isso? A vida é corrida e o sistema político não admite clandestinos. Fazer pouco começa com a pergunta: O que fazer? A luta é grande, mas a gente é forte. A carcaça é dura e o sangue nos olhos é a marca de quem sabe o que esperar do futuro.
Se você tem uma história semelhante. Não esqueça. Alguém que está lá precisa de você. Essa luta também é sua!
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*Rômulo França, jornalista, publicitário e moleque de vila da Zona Norte do Recife.