*Por Dani Rorato, do Jornalista Inclusivo – Hoje é aniversário de Roberto Carlos, um ídolo que compartilho pela vida afora com a minha mãe. A memória da infância vem com as capas de vinis onde aquele cara cabeludo, tinha um lenço amarrado no pescoço e um cachimbo na boca, numa pose de galã blasé, misturada com o som de muitas canções do Rei em todos os momentos alegres e até tristes.
Aos nove anos, ganhei um violão do meu pai e a primeira música que aprendi a tocar foi Ternura, do Rei. Eu e minha única irmã (que também faz aniversário hoje), crescemos vendo meu pai presentear a minha mãe com os discos de RC, o que logo virou uma tradição: foi o primeiro presente de namoro e cada ano, era lançado um novo disco e papai não furava.
Trinta anos depois havia comprado todos os LPs e CDs, que foram a trilha sonora de uma vida juntos. Até vir aquelas músicas que nem rasgavam tanto o coração, falando de forma pitoresca da mulher de óculos, gordinha ou baixinha. Aí eu acho que papai passou a colocar no MP3. Já nem parecia mais ou mesmo compositor daquelas letras apaixonadas e sensuais das canções antigas, que embalaram muitas paixões.
A gente até se espantava com as músicas novas, mas cada um pensava sobre isso em silêncio, afinal, Rei é Rei.
Como não se impactar com Detalhes, Se você Pretende ou Nas Curvas da Estrada de Santos? Fera Ferida, O Côncavo e o Convexo ou Falando Sério, só pra citar as minhas preferidas…
Aproveito o dia deste ícone para puxar assunto sobre a pauta da minha vida, sobre a qual eu me debruço a debater e às vezes a escrever sobre, como agora, na intenção de desbravar um novo e mais inclusivo mundo. Roberto Carlos é uma pessoa com deficiência , mas , como um tabu, ele nunca falou sobre isso. Perdeu a perna ainda criança, num acidente e sempre escondeu a sua perna.
Não estou aqui pra passar régua na dor de ninguém e cada “Fera Ferida” sabe onde seus sentimentos apertam. Também nem posso imaginar o tamanho da pressão que Roberto enfrentou numa época onde as deficiências eram escondidas, e as pessoas com deficiência eram tratadas como coitadas, fracassadas e a rudeza grosseira e capacitista da sociedade forçava muitos a esconder as suas características ou até esconder seus filhos.
Por uma geração (ou seriam duas?) a deficiência ainda era escondida e repudiada. Enquanto Roberto estourava seu novo hit no rádio, as pessoas com deficiência ainda eram proibidas de acessar a escola, eram escondidas e institucionalizadas.
Uma pena, pois se Roberto tivesse feito um único show de bermuda (azul e branca) teria representado tanta gente! Seria o empoderamento e a genialidade contra o capacitismo estrutural. Uma quebra total de paradigmas.
Roberto estourava seu hit nas rádios de todo o Brasil na Jovem Guarda e dizia que “era terrível”, enquanto isso, uma luta social se iniciava no mundo e entrava em pauta o conceito de aceitar o “deficiente paratleta e superador”. Foi quando as pessoas com deficiência começaram a ser humanizadas ao demonstrarem sua funcionalidade e superação, e, como paratletas, passaram a pertencer socialmente. Foi uma forma de reabilitar militares feridos e amputados na Segunda Guerra Mundial, que, aposentados, encontraram no esporte uma ressignificação da vida e da autoestima.
Hoje, Roberto fez 80 anos e ainda não falou sobre sua deficiência. Dudu Braga, um dos seus filhos, que é cego, e, ao contrário do pai, é super engajado na pauta da inclusão e acessibilidade, deu uma entrevista recente onde comentou sobre o acidente do pai, destacando que “acredita que um dia Roberto Carlos falará sobre o assunto”.
Hoje, além de dar os parabéns para Roberto por tudo que ele é, eu também gostaria de dizer que acho que a sua deficiência não o define. Como é apenas uma característica sua, poderia, sim, ter feito parte da sua história: com autoestima, com auto-amor , com empoderamento e aceitação, ajudando a derrubar milhares de barreiras atitudinais e capacitistas.
Fonte: Jornalista inclusivo
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*Dani Rorato é jornalista, empreendedora social, ativista que atua em defesa dos direitos das pessoas com deficiência e colaboradora do Blog.







