A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) anunciou, nesta segunda-feira (31), que o Brasil irá sediar a Copa América, de 11 de junho a 10 de julho, depois da desistência de Argentina e Colômbia.
Especialistas ouvidos pelo G1 criticaram a decisão. Eles avaliaram que os riscos incluem o aumento de viagens dentro do país, importação de novas variantes e aumento da taxa de contágio.
Marcelo Otsuka, infectologista e coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), afirmou que neste momento não é ideal ter uma competição desse porte no país.
“O Brasil tem um alto número de casos e ainda vive um platô de óbitos e números que ainda são alarmantes, próximos a duas mil mortes por dia”, lembrou Otsuka.
A médica Lucia Pellanda, professora de epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), fez avaliação semelhante.
“Não é o momento, quando o país enfrente o risco de terceira onda. Há um simbolismo muito forte. Precisamos de uma campanha de comunicação para engajamento de toda a sociedade. Quando ídolos e pessoas que a populção admira estão vivendo a vida “normal”, sem máscaras, desrespeitando regras, isso tem um impacto muito grande. Precisamos de ajuda de todos os setores agora”, afirmou a pesquisadora.
Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, classificou a decisão como “inacreditável” e “leviana”. “Eu acho que num momento tão grave que estamos vivendo, você sinalizar que isso [sediar a Copa América] é uma situação possível e boa é no mínimo leviano.”
“Você vai ter uma circulação de indivíduos, vários times de futebol circulando, vários países que não fecharam fronteiras para locais com variantes de preocupação e que podem entrar no Brasil. Estamos vendo os ‘atletas’ se colocando em risco em festas clandestinas em um cenário catastrófico. Além disso, essa faixa etária nem tem vacina prevista. Tudo isso só colabora para a gente ir contra esse tipo de evento no país”, disse Suleiman.
O infectologista acredita que estados devem se organizar contra o evento. “Não devemos aceitar esse tipo de imposição. Está mais do que na hora dos governos estaduais se organizarem para impedir a realização desse tipo de evento nos seus estados.”
“Eu acho triste. Fazer eventos de competição internacionais, quaisquer que sejam, em tempos de pandemia não é, em termos sanitários, uma indicação que possa ter amparo na ciência. Você pode encontrar justificativas comerciais, legais, de entretenimento, mas a Ciência jamais vai amparar uma decisão de fazer eventos, quaisquer que sejam”, avaliou Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o anúncio é “inacreditável. E ainda com a variante identificada na Índia aqui no Brasil. Muito triste, É muita irresponsabilidade com a vida dos brasileiros. Mais uma vez as questões financeiras se sobrepondo às questões de saúde publica”, lamentou.
A pesquisadora afirmou ainda que o governo brasileiro dá um “péssimo exemplo” para o resto do mundo ao sediar o torneio. “Estamos na terceira onda, com aumento do número de casos, e não há nenhuma razão lógica para essa decisão do Brasil. Vamos colocar mais pessoas em risco. Governo brasileiro erra novamente e dá um péssimo exemplo para o resto do mundo”, disse Maciel.
Otsuka, da Sociedade Brasileira de Infectologia, lembrou, ainda, que grande parte das pessoas infectadas pelo coronavírus não tem sintomas da Covid-19 – e que não há testes suficientes feitos no país para descartar a infecção.
“Nós ainda temos que considerar que grande parte dos nossos pacientes, da nossa população, não é diagnosticada com a infecção. Sabemos que uma parcela, principalmente os assintomáticos, acabam não sendo diagnosticados. Então, esses números [de casos] na verdade são maiores”, pontuou o médico.
Ele também lembrou do risco de pessoas de várias países entrando e circulando pelo Brasil.
“A partir do momento que nós temos uma competição desse porte, com muitas pessoas vindo de outros países para o Brasil, isso acaba gerando um risco muito grande”, avaliou.
Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações, reforçou a preocupação.
“É claro que você pode minimizar com testagem, com vacinação de atletas, com várias estratégias – vacinação de atletas creio que nem dá mais tempo[para a Copa América, como vem ocorrendo para as Olimpíadas]. Mas os testes falham, as vacinas falham. Você coloca países diferentes e troca variantes, então não é momento de se ter, a despeito dos interesses comerciais envolvidos, eventos internacionais de confraternização. Sanitariamente, não há como apoiar e como achar que seja o momento adequado”, afirmou.
“Claro que a gente entende que, logisticamente, o Brasil é um país mais fácil – tendo em vista os ótimos estádios, a estrutura de aeroportos, mas, no momento em que a gente está entrando na terceira onda, confirmar um evento desse no Brasil tem que ser visto com bastante cautela. Ainda mais porque já tem estudos mostrando que as bolhas geradas pelo futebol contra a Covid têm sido sistematicamente furadas – toda hora a gente olha surto num time, surto no outro time. Vejo com preocupação. Não tem como dizer nada diferente”, disse Pedro Hallal, da UFPel
Segundo o ge.globo, a Conmebol fez uma consulta nesta segunda-feira ao governo federal, que deu sinal verde para o torneio. Em sua conta em português no Twitter, a entidade agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro e à CBF por “abrir as portas desse país” para o “evento esportivo mais seguro do mundo”.
O Ministério da Saúde informou ao G1 que a decisão de sediar a Copa América no Brasil não passa pela pasta.
Sem apresentar dados com estimativas de impacto do evento, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta segunda-feira (31) que a realização da Copa América no Brasil representa “menos risco” do que na Argentina, que seria a sede do torneio.