Por André de Souza e Leandro Prazeres de O Globo
O Supremo Tribunal Federal ( STF ) já deu início ao julgamento desta quarta-feira que vai analisar se dados sigilosos podem ser usados em investigações sem decisão judicial. O caso concreto a ser julgado pelo STF é o recurso do Ministério Público Federal em São Paulo contra o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O tribunal anulou um processo sobre sonegação fiscal contra donos de um posto de combustível em São Paulo sob o argumento de que a Receita Federal repassou dados fiscais ao MP sem autorização anterior da Justiça.
A sessão começou com sustentações orais do MPF e em seguida dos advogados das partes. O primeiro a votar será o presidente da Corte, Dias Toffoli. O ministro suspendeu a sessão ao meio-dia. A previsão é que o julgamento seja retomado às 14h30 com a conclusão do voto de Toffoli.
Foi no processo que irá a julgamento que Toffoli deferiu liminar pedida pelo senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e paralisou as investigações iniciadas a partir de dados de todos os órgãos de controle.
Toffolli fala sobre Flávio
Toffoli tentou dissociar o julgamento da investigação relativa a Flávio Bolsonaro. Ele afirmou ter seguido apenas o Código de Processo Civil (CPC), elaborado por uma comissão de juristas liderada pelo ministro Luiz Fux, do STF.
— Aqui não está em julgamento em nenhum momento o senador Flávio Bolsonaro. Em nenhum momento está aqui. A decisão que proferi a respeito da suspensão foi com base na determinação legal do novo CPC, do CPC Luiz Fux, que no artigo 1035, parágrafo 5º, diz que, havendo repercussão geral, o relator pode suspender todos os feitos em andamento. Mas como envolvia matéria criminal, além de suspender, eu suspendi a prescrição também — afirmou Toffli.
Ele destacou relatórios com dados globais continuaram sendo permitidos.
— Todos os relatórios que tinham informações globais tiveram continuidade, tanto que muitos das senhoras e dos senhores ministros receberam reclamações e negaram (a suspensão da investigação), porque estavam dentro de relatórios, que estavam dentro das informações globais. No caso específico do senador Flávio Bolsonaro, está suspenso o caso dele por uma determinação numa reclamação em que é relator o ministro Gilmar Mendes. Não está suspenso neste RE (recurso extraordinário). É bom afastar essa outra lenda urbana. Não está em julgamento neste RE nenhum caso do senador Flávio Bolsonaro. Não é objeto deste julgamento — disse o presidente do STF.
Toffoli reclamou da imprensa. Ele afirmou que surgiram várias lendas urbanas sobre a sua decisão, disse que muitos simplesmente não a entenderam e arrematou:
— Alcançou (a decisão) poucos processos, mas determinados agentes quiseram alcançar outros que por ela não estavam alcançados para gerar exatamente um clima de terrorismo.
Durante seu voto, Toffoli questionou o procurador-geral da República, Augusto Aras, se a Receita não deve passar dados bancários ao Ministério Público, mas apenas a informação de que há um delito e, a partir desse, teria início a investigação. O procurador-geral da República respondeu:
— Na prática, o que nós temos? Uma representação fiscal para efeitos penais que segue acompanhada de um processo administrativo fiscal, o PAF. E nesse PAF, deve a Receita curar, velar para que, junto com ele, não sigam as informações que importam em quebra do sigilo.
Toffol, defendeu a necessidade de que o Judiciário tenha algum tipo de supervisão sobre as informações compartilhadas entre órgãos de controle como a Receita Federal, Banco Central e Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e o Ministério Público. Segundo ele, a ausência de supervisão judicial pode resultar no “assassinato de reputações”.
– Talvez, o mais importante seja a supervisão judicial para evitar abusos de investigação de gaveta que servem apenas para assassinar reputações sem ter elementos ilícitos nenhum. E isso pode ser utilizado contra qualquer cidadão, qualquer empresa – disse Toffoli.
Toffoli destacou que, em julgamento passado, o STF determinou que o compartilhamento de dados pela Receita sem autorização judicial deve seguir alguns critérios. Entre eles está a prévia notificação do contribuinte quanto a instauração do processo contra ele.
PGR vê prejuízo à imagem do Brasil
Em sua sustentação, Aras argumentou que o compartilhamento de dados de órgãos de controle da Unidade de Inteligência Financeira (UIF) – antigo Coaf – com o Ministério Público não representa quebra de sigilo bancário.
– Se por ventura o RIF – relatório de inteligência financeira – tem algum tipo de alteração e que esteja em camadas, isso não significa que essas camadas importem na quebra do sigilo bancário. Ali não existe extrato bancário. Ali existe apenas informações coletadas a partir dos dados recebidos voluntariamente por aqueles entres obrigados a fornecer informações. É um sistema no qual não participa o ser humano. Ele recebe e ele devolve sem participação do ser humano – disse o PGR.
Ele disse que a decisão que suspendeu o compartilhamento de dados de órgãos de controle com o MP prejudica a imagem do Brasil na comunidade internacional e em órgãos multilaterais que atuam no combate a crimes como terrorismo e lavagem de dinheiro.
– A quebra desse sistema internacionalmente consagrado pode trazer consequências nefastas à nação, entre elas a elevação da percepção de risco em relação ao país, a redução de investimentos estrangeiros, a maior dificuldade de nacionais terem acesso a recursos financeiros, além de obstáculos no âmbito da cooperação internacional. Corremos, ainda, o grave risco de o Brasil vir a ser considerado tecnicamente um paraíso fiscal, mácula excessivamente nociva a um país que necessita retomar o curso do crescimento econômico e estabelecer o bem-estar social – afirmou Aras.
Ao falar sobre o caso do senador Flávio Bolsonaro (Sem partido/RJ), Aras disse disse ainda que os RIFs compartilhados com o MP não se constituem como prova dentro de um processo.
– No que se refere ao requerimento interventivo formulado pelo Senador Flávio Nantes Bolsonaro […] a Procuradoria-Geral da República destaca, mais uma vez, que tais documentos, isoladamente considerados, não constituem meios de prova. assim como as colaborações premiadas e as representações anônimas. Por conseguinte, qualquer juízo condenatório depende de prévia corroboração, a depender da instrução probatória, observado o devido processo legal – afirmou Aras.
Compartilhamento de informações
Logo após a sustentação de Aras foi a vez do advogado Gustavo Badaró, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), defender a necessidade de decisão judicial para que os órgãos de controle compartilhem informações detalhadas com o Ministério Público. Toffoli havia determinado a suspensão de todos os processos nos quais dados bancários detalhados de investigados tenham sido compartilhados sem autorização prévia do Judiciário, mas não vetou o repasse de dados gerais.
— Toda concentração de poder tende a favorecer abusos — disse Badaró, acrescentando:
— Não se está a defender obstaculizar a persecução penal. Longe disso. O que se está é apenas a exigir que, para quem tem poderes concretos de persecução, que o acesso mais detalhado, mais restrito, ou a camadas mais profundas de informações que digam respeito à privacidade passe pela devida intermediação judicial.
Ministros do Supremo estudam ampliar o alcance do julgamento de hoje sobre a legalidade do uso de dados. Em vez de debater apenas casos relativos à Receita Federal, que compartilhou relatórios no caso concreto em julgamento, a decisão pode servir para processos iniciados a partir de informações de outras instituições.
Ministros ouvidos reservadamente pelo GLOBO apostam que o plenário, no julgamento de hoje, vai restringir o envio de informações sigilosas para abastecer investigações. A ideia é condicionar o uso de relatórios à autorização judicial. Nos bastidores, os integrantes da Corte estudam um meio-termo para não anular as investigações já em curso. A alternativa seria exigir decisão da Justiça apenas para casos futuros e, em relação às apurações atuais, permitir que sejam validadas se passarem pelo crivo de um juiz.







