Do Globo — A escritora gaúcha Lya Luft faleceu nesta quinta-feira (30), aos 83 anos, em sua casa, em Porto Alegre. A morte da autora, que lutava contra um câncer de pele, foi confirmada por amigos da família. Lya fora diagnosticada com um melanoma havia sete meses. Descoberto em estado metastático, o câncer já comprometia outros órgãos. Lya chegou a ser internada no Hospital Moinhos de Vento, na capital gaúcha, mas teve alta em 21 de dezembro. A reportagem apurou que a família pretende se despedir da escritora em uma cerimônia reservada.
Autora de 31 títulos, como “O quarto fechado”, “As parceiras” e “O rio do meio”, Lya foi colunista da revista Veja e, atuamente, escrevia para o jornal gaúcho Zero Hora. A escritora era viúva de Celso Luft, autor do dicionário que leva seu sobrenome.
Lya publicou seu primeiro livro em 1964, a antologia de poemas “Canções de liminar”. Em 1972, lançou outro livro de poesia, “Flauta doce”. Estreou na prosa em 1978, com um volume de contos: “Matéria do cotidiano”, publicado pela Nova Fronteira. Encorajada pelo editor Pedro Paulo Sena Madureira, enveredou pelo romance e, em 1980, lançou “As parceiras”, no qual a narradora Anelise se vê às voltas com os fantasmas da avó, das tias, da irmã e de uma amiga, e com a história própria família, marcada pela loucura.
No ano seguinte, publicou “A asa esquerda do anjo”, que acompanha a filha de uma rígida família alemã do Sul do Brasil. Entre os outros títulos da autora estão os romances “Reunião de família” e “Exílio”, a antologia poética “O lado fatal” e “Perdas & danos”, misto de memória e ensaio que acampou por mais de cem semanas na lista de mais vendidos e foi levado aos palcos pela atriz Nicette Bruno. No ano passado, Lya lançou a reunião de crônicas “As coisas humanas”. Escrito sob o impacto da morte de seu filho André, o livro foi finalista do Prêmio Jabuti. As obras da autora são publicadas pelo Grupo Editorial Record.

Em 1996, o inclassificável “O rio do meio” foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Em 2001, Lya recebeu o Prêmio de Tradução Científica e Técnica em Língua Portuguesa (FCT/União Latina) ao verter para o português o livro “Lete: arte e crítica do esquecimento”, do filólogo alemão Harald Weinrich. Em 2013, o romance “O tigre na sombra” arrematou o prêmio da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Amiga de Lya, a escritora Cintia Moscovich disse ao GLOBO que o Brasil perde uma de suas maiores romancistas em atividade.
— Lya era uma linda romancista, uma linda pensadora. É parte do grande acervo da literatura brasileira, a qual ela só engradeceu. Era uma narradora irônica, cínica e muito humana, capaz de construir personagens femininas memoráveis, com vigor, força e profundidade. Perversa como Nelson Rodrigues, soube trabalhar muito bem o jogo intrincado e vingativo das relações familiares.
No Instagram, a escritora e colunista do GLOBO Martha Medeiros disse ser fã de Lya desde a leitura de “As parceiras”. Quando se conheceram pessoalmente, ganhou da escritora o livro “Mulheres que correm como lobos” (best-seller que faz apologia da força ancestral feminina), como se o título fosse um “passaporte para uma confraria de autoras pensantes”. “Estive com ela algumas vezes e nunca saí de mãos abanando de nossas conversas, ela sempre tinha uma palavra positiva e uma irreverência a ofertar”, escreveu Martha. “Quando seu filho André faleceu, fui até ela. Ao lado do caixão, ela me olhou e disse, daquele jeito sem meias palavras: ‘Martha, a morte e uma merda’. É verdade, Lya.”

Em nota, Sonia Machado Jardim, presidente do Grupo Editorial Record, lembrou que “Lya era escritora de uma sensibilidade enorme”, cujas palavras “sempre impactavam seus leitores, trazendo reflexões e sabedoria”. “Perde o Brasil uma das suas maiores cabeças pensantes”, lamentou. Também em nota, a Agência Riff, que representava a autora, afirmou que “sua obra permanece, como uma extensão de sua vida, para que não nos esqueçamos de seu legado”.
Em seus textos para a imprensa, Lya com frequência expunha suas posições políticas. A escritora escandalizou o meio intelectual ao afirmar que votara em Jair Bolsonaro. Ela tentou se justificar dizendo que escolheu o bolsonarismo “na falta de coisa melhor” e que se arrependeu do voto. Lya chegou a comparar o governo Bolsonaro a uma “ditadura branca”.