Do JC – O ano de 2022 foi iniciado com as férias, alguns dias de sol e a possibilidade de, mesmo com o avanço dos casos de covid-19, as pessoas irem às praias sem grandes restrições. Mas para os comerciantes que dependem das vendas na faixa de areia de Boa Viagem e do Pina, na Zona Sul do Recife, o verão ainda não mostrou a que veio. Para além do fator climático, com o registro de mais dias chuvosos no mês de janeiro, desde setembro de 2021 – quando tradicionalmente os pernambucanos já adiantam o início da temporada de veraneio -, a movimentação ainda não é a mesma. O “passeio barato” não fugiu à carestia e, com menos dinheiro e a sombra da covid-19, os banhistas não lotam as barracas como antes. Há quem tenha queda de até 50% no faturamento e conte, além da melhora no movimento, com o pagamento de auxílio que a prefeitura não libera há mais de sete meses

Na barraca onde trabalha Bruno Moreira, 25 anos, na altura da padaria Boa Viagem, os clientes até voltaram, mas já não gastam a mesma coisa. “A gente pensou que seria um verão melhor, mas como teve esses dias de chuva, só em janeiro a movimentação foi de 25% a 30% menor”, diz ele.Moreira complementa que o período, intenso para movimentação de turistas, foi mais ameno. “Até teve maior movimento de turismo, a gente via nos hotéis, mas não chegou tão forte aqui na areia. Mesmo quem é ‘de casa’, por causa da covid-19, tá voltando aos poucos. Tenho um cliente que estava há quase dois anos sem vir, mas voltou gastando menos do que antes”, lamenta.

Aos fins de semana, na barraca de Moreira, os 38 guarda-sóis fincados na areia chegam a ficar ocupados, mas com o gasto menor dos frequentadores e a alta do custo “do açúcar até as bebidas”, o percentual de lucro não cresceu. E não foi só para os barraqueiros.“Nada é como antes. Trabalho na praia há 15 anos e pego direto com a distribuidora protetor solar e bronzeador para vender e distribuir aos demais vendedores. A empresa até quer que a gente pegue grandes quantidades, mas hoje eu não consigo mais planejar as compras confiando na demanda, porque não tem. Não é certo”, desabafa Márcio Freitas, 40 anos.
Agora a realidade do vendedor e de tantos outros que dependem do faturamento na praia tem sido se adaptar com menos para, no mínimo, evitar mais perdas. Reduzir os custos tem sido uma das saídas para conseguir continuar atendendo os clientes, que seguem ajudando com a manutenção da renda dos trabalhadores.

“Optamos por não vir muitos dias da semana. Ficamos abrindo duas ou três vezes porque não estava compensando o custo. Antes, num mês de férias, estávamos aqui todos os dias”, conta Genilda de Lima, 46 anos, dos quais 26 foram de trabalho na praia do Pina.Com uma equipe que chega a 10 pessoas nos fins de semana, a maioria familiares e vizinhos, mesmo em pleno mês de janeiro, de segunda a sexta-feira no atendimento ficam apenas duas pessoas. “A gente consegue dar conta só com esse pessoal mesmo, justamente porque o movimento não é a mesma coisa. Tive até que pagar menos pela diária do pessoal, porque não tem dado”, reforça.
A esperança dos vendedores está depositada na não realização do Carnaval. Desde que seja mantido o feriado, definição que ainda não foi anunciada pelo governo do Estado, a expectativa é de que o período que seria dedicado à festa seja trocado pela tranquilidade do mar. “Se tiver feriado vai ser bom. Acaba invertendo o calendário. Antes a gente tinha como melhor período de setembro a janeiro, começando a esfriar em fevereiro e março, com o fim das férias e chegada do Carnaval. Espero, porque o custo dobrou e o faturamento caiu pela metade”, detalha Carlos Roberto, proprietário da Barraca da Aventura, em Boa Viagem.

Aplicando restrições ao comércio nas praias do Estado desde o mês de maio de 2020, o governo de Pernambuco anunciou no dia 19 de julho de 2021 o repasse de pouco mais de R$ 3 milhões para, por três meses, pagar auxílio de R$ 180 aos trabalhadores do litoral. O Recife recebeu R$ 667,9 mil para 1,2 mil trabalhadores. Até agora, no entanto, ninguém recebeu um centavo.”Não é muita coisa, mas já ajuda. A gente tá ralando o dobro para conseguir a renda normal. Não tem sido fácil. Prometeram, pediram para a gente cadastrar, na verdade se recadastrar na Dircon (Diretoria Executiva de Controle Urbano do Recife). Mas nada chegou, nenhuma parcela das três que prometeram”, dispara um vendedor que prefere não se identificar.
A revolta é ainda maior porque, como os recursos foram destinados pelo governo do Estado, ao mesmo tempo, para os 13 municípios beneficiados, os trabalhadores não entendem o motivo do Recife ainda não ter feito os pagamentos após mais de sete meses da liberação do dinheiro.
“Olinda já pagou e Jaboatão também já pagou. No Recife, nada. Por quê? O que fizeram com o dinheiro?”, questiona o vendedor ambulante David Pereira, 61 anos.

De acordo com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude de Pernambuco, todos os 13 municípios do litoral já receberam os valores do benefício.
“O governo investiu mais de R$ 3 milhões para atender 5.597 profissionais das cidades do Cabo de Santo Agostinho, Goiana, Igarassu, Itamaracá, Ipojuca, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista, Recife, Rio Formoso, São José da Coroa Grande, Sirinhaém e Tamandaré. O Estado, por meio do Fundo Estadual de Assistência Social (FEAS), repassou diretamente recursos aos Fundos Municipais de Assistência Social”, diz em nota.
Prefeitura ainda avalia descartar beneficiários
A Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Políticas Sobre Drogas e Direitos Humanos, foi questionada sobre o porquê do não pagamento mesmo com o repasse dos recursos feito pelo governo do Estado.
Em nota, a gestão confirmou ter recebido o dinheiro, mas alegou que “nem todos os comerciantes listados têm o perfil de beneficiário da Assistência Social”.
“A Secretaria de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Políticas sobre Drogas está verificando os dados para relacionar os inscritos com perfil para o Cadastro Único e fazer o devido pagamento até o final do mês de março, em uma única parcela”.
No ano passado, à época do anúncio do benefício, os trabalhadores já haviam passado por um recadastramento junto à prefeitura, sendo listado o número de beneficiários estimado pelo governo do Estado no Recife: 1.237.