O GLOBO – O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou nesta segunda-feira que o bombardeio lançado por forças israelenses contra o Hospital Nasser, que matou cerca de 20 pessoas em Khan Younis, incluindo cinco jornalistas que atuavam para veículos internacionais, foi um “acidente trágico” e lamentou pelas vítimas civis. O incidente foi alvo de uma onda de condenações, incluindo da parte do presidente dos EUA, Donald Trump, aliado de primeira ordem do premier.
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“Israel lamenta profundamente o trágico acidente ocorrido hoje no Hospital Nasser em Gaza. Israel valoriza o trabalho de jornalistas, equipe médica e todos os civis. As autoridades militares estão conduzindo uma investigação completa”, disse Netanyahu, segundo um comunicado divulgado pelo seu gabinete.
“Nossa guerra é contra os terroristas do Hamas. Nossos justos objetivos são derrotar o Hamas e trazer nossos reféns para casa.”
O Hospital Nasser, uma das últimas unidades de saúde em funcionamento em Gaza, foi alvo de um forte ataque aéreo nesta segunda-feira. Fontes palestinas afirmaram que dois bombardeios separados por minutos foram registrados. O primeiro teria sido executado com um drone explosivo e, pouco depois, ocorreu uma segunda explosão quando equipes de resgate prestavam socorro aos feridos.

O portal Middle East Eye compartilhou nas redes sociais imagens ao vivo de uma emissora de televisão, publicadas pelo fundador do Monitor de Direitos Humanos Euro-Mediterrâneo, Ramy Abdu, identificado como o momento do segundo bombardeio.
Mais cedo, antes da manifestação de Netanyahu, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Israel, general Eyal Zamir, ordenou uma investigação imediata sobre o ataque em Khan Younis, confirmando que uma ação havia sido autorizada na área mais cedo.
“As FDI lamentam qualquer dano a [civis] não envolvidos e de forma alguma direcionam ataques a jornalistas”, diz um comunicado divulgado pelos militares, acrescentando trabalhar para “minimizar os danos” e salvaguardar “a segurança de nossas forças”.
Cerca de 200 jornalistas foram mortos em Gaza ao longo dos 22 meses de guerra, segundo dados do Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ). Em comparação, a guerra entre Rússia e Ucrânia resultou na morte de 18 profissionais.
Veículos de comunicação ocidentais e do Oriente Médio confirmaram as mortes de colaboradores. Os profissionais de imprensa trabalhavam para as redes americanas Associated Press e NBC, a agência britânica Reuters e a TV catari Al-Jazeera — esta última que havia anunciado, há duas semanas, a morte de cinco jornalistas.
A AP confirmou a morte de Mariam Dagga, de 33 anos, jornalista visual que trabalhou como freelancer para a agência americana desde o início da guerra em Gaza. Em um comunicado, a organização dos EUA disse que ficou “chocada e triste” ao saber da morte de Dagga, que recentemente relatou a luta de médicos do Hospital Nasser para salvar crianças da fome.
Também em comunicado, um porta-voz da Reuters afirmou que a organização está “devastada” com a notícia da morte de seu contratado Hussam al-Masri. A organização ainda confirmou que outro profissional ficou ferido durante o ataque.
A Al-Jazeera confirmou que seu fotógrafo e repórter cinematográfico Mohammad Salama foi uma das vítimas e condenou “nos termos mais enérgicos” o que classificou como “crime horrível” cometido por Israel. Também denunciaram os ataques que vitimaram jornalistas como “parte de uma campanha sistemática para silenciar a verdade”.
Os outros dois jornalistas mortos foram identificados como Moaz Abu Taha, que trabalhava para a NBC, e Ahmad Abu Aziz, que estava vinculado à organização Comissão Independente para os Direitos Humanos. Aziz, que também publicou “ocasionalmente” na Reuters, segundo a agência de notícias, chegou a ser socorrido com vida, mas morreu logo depois.
Condenação internacional
O novo ataque israelense contra uma instalação de saúde em Gaza, e a morte de jornalistas provocada por ele, gerou uma série de condenações internacionais, incluindo por parte de países aliados a Israel. Em Washington, o presidente americano, Donald Trump, afirmou que a cena era reprovável aos olhos da Casa Branca.
— Não estou feliz com isso. Não quero ver isso — disse Trump a repórteres no Salão Oval. — Ao mesmo tempo, precisamos acabar com todo esse pesadelo.
No Reino Unido, o ministro das Relações Exteriores David Lammy, disse ter ficado “horrorizado” com a ação israelense, escrevendo em uma publicação on-line que era necessário um cessar-fogo imediato, e defendendo que “civis, trabalhadores de saúde e jornalistas” precisam ser protegidos. O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha pediu uma investigação sobre o ataque.
A ONU condenou o ataque desta segunda-feira, apontando que nem jornalistas nem hospitais podem ser considerados objetivos militares legítimos em meio a um conflito. A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA, na sigla em inglês) se disse “chocada” com a inação global diante do novo ataque em Gaza, enquanto o diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Gherbreyesus, afirmou que a área atingida no hospital abrigava uma área cirúrgica e de atendimento de emergência.
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“O assassinato de jornalistas em Gaza deveria provocar comoção no mundo, não para ficar estupefato em silêncio, senão para atuar, exigindo reponsabilidades e justiça”, declarou a porta-voz do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU, Ravina Shamdasani, em um comunicado. “Os jornalistas não são um objetivo. Os hospitais não são um objetivo”.
A Associação de Imprensa Estrangeira de Jerusalém — que representa jornalistas em Israel e nos territórios palestinos — exigiu uma “explicação imediata” do Exército israelense e do gabinete do primeiro-ministro, apelando para que cessem “de uma vez por todas” com a “prática abominável de atacar jornalistas”.
No dia 10 de agosto, a Al-Jazeera já tinha informado que dois correspondentes e três cinegrafistas do canal morreram após um bombardeio israelense contra a tenda onde estavam alojados na Cidade de Gaza. O Exército israelense confirmou que havia realizado um ataque contra Anas al-Sharif, um conhecido correspondente da emissora, a quem classificou como um “terrorista” que “se passava por jornalista”.
Fome na Cidade de Gaza
Um relatório divulgado na sexta-feira pela Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês), órgão apoiado pela ONU e responsável por monitorar a insegurança alimentar no mundo, apontou que a Cidade de Gaza está em estado de fome, uma classificação inédita. O documento indica que 500 mil pessoas enfrentam condições “catastróficas” no enclave, caracterizadas por fome extrema, miséria e risco elevado de morte.
Autoridades das Nações Unidas argumentaram que o cenário poderia ter sido evitado por ações de Israel, e apontaram o uso da fome para fins militares como um crime de guerra. O governo israelense classificou o anúncio como uma “mentira descarada”.
O relatório do IPC indica que a Província de Gaza, que inclui a principal cidade do enclave e totaliza cerca de 20% do território, englobando municípios vizinhos e campos de refugiados, está enquadrado na fase 5 da Escala de Insegurança Alimentar Aguda (AFI, na sigla em inglês), a mais severa auferida pelo padrão internacional.
Apenas quatro vezes a classificação de fome foi constatada pelo órgão desde que o padrão foi criado em 2004: na Somália (2011), no Sudão do Sul (duas vezes, em 2017 e 2020), e no Sudão (2024). (Com AFP)









