Por Hanrrikson de Andrade, do UOL — A acusação de crime eleitoral que a campanha de Jair Bolsonaro (PL) fez por suposto favorecimento ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em inserções de rádio do Nordeste é baseada em dados coletados e processados por software de monitoramento de audiência de emissoras, desenvolvido pela empresa Audiency Brasil Tecnologia, e não por uma “auditoria”, como disse o ministro das Comunicações, Fábio Faria, na noite de ontem (24).
A campanha do presidente e candidato à reeleição pleiteia no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a suspensão da propaganda de rádio do petista no segundo turno.
Os bolsonaristas afirmam que o número de inserções nas rádios de várias cidades brasileiras foi desigual. Segundo o UOL apurou, a metodologia utilizada no levantamento —com relatórios gerados por um algoritmo que captura áudio emitido via streaming— apresenta sinais de inconsistência e pode gerar dados imprecisos e/ou incompletos.
Em tom de denúncia, Fábio Faria disse em pronunciamento na portaria do Palácio do Alvorada que, “de 7 a 21 [de outubro], a campanha do presidente Jair Bolsonaro teve a menos no Brasil 154.085 inserções de rádio”. Segundo o ministro, trata-se de “grave violação do sistema eleitoral”.
Presidente do TSE, Alexandre de Moraes considerou que o pleito não era acompanhado de “prova e/ou documento sério” e determinou que a coligação de Bolsonaro apresentasse elementos concretos em um prazo de 24 horas. A resposta foi enviada na noite de ontem ao Tribunal.
A campanha nega que as informações que buscam fundamentar a reclamação tenham caráter “apócrifo” e dizem que representam, na verdade, um “estudo técnico parcial” —pois a totalidade dos dados ainda não teria sido devidamente processada. Os advogados disponibilizaram ao TSE um link de um arquivo digital com todas as informações que baseiam o levantamento feito pelo staff de Bolsonaro.

Streaming. Uma das controvérsias em relação aos dados divulgados pela campanha de Bolsonaro: o monitoramento de rádios via software é realizado por webcast — transmissão ao vivo de áudio e vídeo utilizando a tecnologia de streaming.
O conteúdo que vai pela internet, no entanto, não é necessariamente o mesmo transmitido via sinal de radiodifusão.
De acordo com a legislação vigente, a propaganda eleitoral —objeto da reclamação de Bolsonaro— se limita às concessões públicas, isto é, emissoras de televisão e rádio.
Dessa forma, a veiculação das inserções dos candidatos não é obrigatória no webcast. Por esse motivo, o mapeamento realizado pelo algoritmo da plataforma pode ter coletado dados de forma incompleta e imprecisa.
“O streaming foge dessa característica”, afirmou o advogado e professor de direito eleitoral Renato Ribeiro de Almeida. “Existe essa diferença, e a legislação diz respeito somente à rádiodifusão, que é concessão pública.”
Algoritmo. Segundo informações sobre o processo tecnológico da Audiency, a plataforma da empresa, criada em 2020, trabalha com um algoritmo que “captura o áudio emitido em tempo real pelo streaming público das emissoras” de rádio. O sinal é transformado em “dados binários” e comparado com “áudios cadastrados no banco de dados da plataforma por espelhamento”.
“O acesso à plataforma aos usuários é franqueado on-line, por login e senha com disponibilidade de emissão de todos os relatórios, a saber: Por data e hora (incluindo minuto e segundo), por cidade, por emissora, por spot, por campanha (quando programadas) e por fim, também a emissão de relatório global”, diz a petição.
Material gravado. Por meio de uma das funcionalidades da plataforma, seria possível processar conteúdos gravados e, com o auxílio do algoritmo, identificar categorizar as inserções eleitorais exibidas ao longo da programação.
Na petição inicial protocolada no TSE, a equipe jurídica de Bolsonaro não especifica exatamente quantas e quais rádios foram analisadas no levantamento —posteriormente, em resposta a Moraes, tais informações foram disponibilizadas, segundo a campanha, por meio de um link digital com acesso exclusivo ao corpo do Tribunal.
O texto inicial diz apenas que foram “inúmeras” emissoras “não veiculam adequadamente as inserções de rádio determinadas pela Justiça eleitoral, favorecendo fortemente a coligação adversária”.
De acordo com um dos gráficos apresentados na petição, feitos pela empresa Audiency, somente no Nordeste, foram verificadas 164.204 veiculações de propaganda política dos dois candidatos em mais de mil rádios no período entre 7 e 14 de outubro. Considerando que as emissoras podem ter até 24 horas de programação, seria necessário gravar quase 200 mil horas de conteúdo no recorte de tempo analisado.
O advogado e professor eleitoral Renato Ribeiro de Almeida destaca que o volume de dados inviabilizaria o estudo. “Eles teriam que gravar 24 horas de todas as rádios do Nordeste”, comentou.
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Relatórios com erros. Fonte ligada ao setor de radiodifusão afirmou ao UOL ter realizado testes na plataforma Audiency depois que a campanha de Bolsonaro divulgou ontem a tese de fraude eleitoral.
Segundo a pessoa ouvida pela reportagem, é impossível tirar conclusões, pois os relatórios gerados têm a finalidade de apontar parâmetros.
Os arquivos contêm, inclusive, um critério nomeado “índice de confiabilidade”, e o mesmo ocorre com outras plataformas do ramo que utilizam a mesma tecnologia. De acordo com a fonte, a função dessa tecnologia é servir mais como parâmetro, apontar tendências, e não servir como uma pesquisa empírica.
A reportagem tentou entrar em contato com os responsáveis da Audiency, porém não houve retorno.
Resposta ao TSE. Na prestação de informações a Moraes, a campanha de Bolsonaro alega que o documento apresentado não é “apócrifo” pois foi gerado a partir da contratação da plataforma da Audiency, “tendo sido apresentado, em todas as páginas do documento, o nome e CNPJ” da contratada.
Os advogados do candidato à reeleição argumentam ainda que consta no objeto social da empresa funções como “serviço de monitoramento do áudio de emissoras de rádio”, “checking de veiculação do áudio de campanhas publicitárias em emissoras de rádio”, entre outras.
Em relação à ausência de informações como rádios, dias e horários em que a veiculação de inserções teria supostamente prejudicado Bolsonaro, a equipe jurídica da campanha respondeu que a petição foi protocolada em “regime de urgência, à vista da proximidade do fim das propagandas eleitorais em rádio, de modo a viabilizar ação corretiva célere” por parte do TSE. O reclamante também ponderou sobre a dificuldade de analisar a programação de “cerca de 5.000 rádios no Brasil”.
‘Estudo técnico parcial’. “Nesse quadro, a coligação e seu candidato, longe de realizarem alegações vazias, circunscritas a meras denúncias e crivo de legalidade próprio, à moda de veiculação de fato político em via inadequada, considerando a existência de cerca de 5.000 (rádios no Brasil, fizeram acompanhar à petição apresentada um estudo técnico parcial”, diz a campanha de Bolsonaro.
“(…) porque àquela altura ainda não encerradas as compilações em todas as regiões do país e de maior período do segundo turno, que, na modesta visão dos peticionários, seria capaz de assentar a plausibilidade jurídica das alegações, fundamento suficiente a justificar o exercício do poder de polícia pela Corte, que não
se pode desenvolver lastreado apenas em apurações acabadas e definitivas, a assentarem o ideal juízo de certeza”, completou.
Os advogados do presidente não especificam na petição se o link de armazenamento digital disponibilizado ao TSE contém a indicação de todas as rádios, horários e dias em que ocorreram supostas fraudes, conforme havia sido solicitado pelo ministro Alexandre de Moraes. Eles dizem apenas que o arquivo possui todos os dados gerados pela plataforma da Audiency no recorte analisado (7 a 14 de outubro) e que “balizaram o estudo técnico”.
O advogado do PL responsável pela petição, Tarcísio Vieira de Carvalho, foi procurado pela reportagem, mas não atendeu os telefonemas. Colega de escritório, Ademar Aparecido da Costa Filho informou que repassaria a solicitação, porém não houve resposta até a publicação desta reportagem.
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