Por Marcello Corrêa e Léo Branco de O Globo
O time do ministro da Economia, Paulo Guedes, já tem uma argumentação preparada para rebater comparações da política econômica liberal do governo brasileiro com a agenda que levou o presidente da Argentina, Mauricio Macri, à derrota eleitoral no domingo. A equipe econômica reforçará a tese de que o resultado das urnas no país vizinho não foi uma negativa ao programa de ajuste fiscal, e sim consequência da decisão de Macri de implantar seu programa aos poucos.
O chamado gradualismo argentino era criticado por especialistas desde o início do governo Macri, em 2015, por não ter sido suficiente para blindar o país das turbulências da economia mundial.
Capitalização ainda é meta
O argumento da equipe econômica é que o Brasil está na direção oposta e já deu o pontapé inicial em um ajuste sólido nas contas públicas com a aprovação da reforma da Previdência . Segundo uma fonte, a população brasileira ainda apoia as reformas, na expectativa de que estas levem ao crescimento econômico.
A eleição do peronista Alberto Fernandéz deve reforçar, no entanto, a tese de que há na América Latina uma onda de insatisfação em relação a políticas liberais. Um exemplo são os protestos no Chile, com críticas às regras da Previdência e à privatização de serviços públicos.
Diante disso, o foco é defender o receituário. Segundo uma fonte, a Argentina era uma potência no início do século XX e foi prejudicada pelo peronismo. Já o Chile teria feito o caminho inverso, aumentando sua renda per capita dos anos 1970 para cá graças ao liberalismo, afirmou.
Um sinal disso é que técnicos continuam a trabalhar na proposta de transição para o regime de capitalização , em que cada trabalhador contribui para a própria poupança. Esse sistema, usado no Chile, foi rejeitado pela Câmara dos Deputados na tramitação da reforma da Previdência.
Mas é defendido por Guedes para garantir a aposentadoria das futuras gerações. A equipe busca não repetir erros da aplicação do modelo em outros países, ao garantir, por exemplo, o salário mínimo.
Já no comércio exterior, a expectativa é que os negócios entre os dois países não sejam prejudicado pelas diferenças políticas.
Também está no radar a permanência do Brasil no Mercosul. Segundo um integrante da equipe, uma eventual saída do bloco é vista como um cenário extremo. Mas caso o governo argentino imponha obstáculos a um acordo com a União Europeia, por exemplo, o cálculo é que seria mais interessante para o Brasil fechar um acerto com os europeus, em vez de dar preferência ao bloco sul-americano.
‘É hora de pragmatismo’
Entre os setores que mais exportam para a Argentina, há cautela em relação a uma eventual redução de tarifas alfandegárias unilateral pelo Brasil. A avaliação é que a abertura comercial precisa ser acompanhada de medidas para aumentar a competitividade da indústria brasileira.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, reuniu-se recentemente com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo. Teve a sinalização de que a abertura comercial contará com estímulos à produtividade, como a reforma tributária. Para o setor calçadista, afirmou, as tarifas de importação cairiam de 35% para 15%.
— Não se pode reduzir 20 pontos percentuais a tarifa de importação e reduzir só em 10 pontos percentuais os nossos custos. Aí perderíamos competitividade — disse Ferreira.
Para Ferreira, a eleição de Fernández, com viés mais protecionista do que o do liberal Mauricio Macri, traz novamente o fantasma de barreiras aos calçados brasileiros exportados para a Argentina. Ainda assim, diz, é cedo para uma avaliação mais definitiva sobre o rumo da política econômica do futuro presidente argentino.
Uma eventual mudança nas regras do Mercosul também preocupa o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. A Argentina é o maior comprador de têxteis do Brasil: é o destino de 25% das nossas exportações, um comércio anual de US$ 200 milhões. Ele acredita que os dois países deverão chegar a uma convergência logo pela própria proximidade geográfica.
– A hora não é de especular sobre o que vai acontecer, é hora de cabeça fria e pragmatismo — disse Pimentel.
O consultor Welber Barral, sócio da consultoria Barral M Jorge, por sua vez, não espera uma redução unilateral das tarifas pelo Brasil:
– A Argentina é o principal mercado da indústria brasileira por causa da inexistência de tarifas. Sair do Mercosul tira essa vantagem e, portanto, seria muito danoso.
O presidente da Associação de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro, considera um eventual enfraquecimento do Mercosul catastrófico, pois pode reduzir as exportações brasileiras ao país vizinho à metade. Entre janeiro e setembro, foram US$ 7,4 bilhões, uma queda de 39% em relação ao mesmo período do ano passado.
– No comércio exterior, não há comercialização de ideologia, e sim de mercadorias – afirmou.
Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente da Abitrigo, entidade que reúne importadores de trigo da Argentina, as diferenças ideológicas não devem impedir os avanços econômicos entre os dois países. Barbosa lembra o Programa de Integração e Cooperação Econômica entre Brasil e Argentina (Pice), uma espécie de embrião do Mercosul, discutido no início dos anos 1980 entre o centro-esquerdista Raúl Alfonsín, na Argentina, e presidente João Figueiredo, ainda no regime militar.
O tratado foi assinado em 1986 por Alfonsín e José Sarney (MDB).
– Há interesse mútuo de lideranças empresariais dos dois países em recuperar o comércio entre os dois países – disse Brabosa. No setor de trigo, até agora não houve sinalização de plano de contingência para o caso de aplicação de uma tarifa de exportação do trigo da Argentina para o Brasil.
Já o advogado Alex Moreira Jorge, especialista em tributação para comércio internacional no escritório Campos Mello, em São Paulo, acredita que uma eventual saída do Mercosul poderia favorecer a economia brasileira ao reduzir impostos sob produtos acabados e das matérias-primas da indústria. Além disso, a medida abriria espaço para redução de tributos sobre a importação, como o PIS/Cofins da Importação, hoje em 11,95%.
– A própria indústria depende de vários itens importados, o que pode ajudar a baratear os seus custos de produção. O México isenta quase todos os produtos importados e ainda assim tem uma base instalada de indústria (maquiladoras) muito importante. O imposto de importação, por definição, é um tributo parafiscal, ou seja, não tem propósito arrecadatório, mas apenas como agente de proteção de mercado, algo que num mundo globalizado perde cada dia mais propósito. Isso só colabora para que o Brasil continue no topo do ranking dos países mais fechados do mundo – diz.







