De O Globo – À medida que surgem novos relatos sobre mortos, feridos e desaparecidos em protestos realizados na segunda-feira na Venezuela, após o Conselho Nacional Eleitoral confirmar a reeleição de Nicolás Maduro em meio à polêmica sobre contagem de votos, o país se prepara para um dia tenso nesta terça-feira, quando tanto a líder da oposição quanto a cúpula chavista convocaram apoiadores a marcharem em Caracas. Balanços apresentados ONGs atuantes no território venezuelano apontam ao menos quatro mortos, 44 feridos, 46 detidos e 25 desaparecidos — com um jornal espanhol afirmando que há ao menos sete mortos.
A contagem de quatro mortos soma dados apresentados pelas ONGs Pesquisa Nacional de Hospitais e Foro Penal. A segunda notificou uma morte ainda na segunda-feira, em Yaracuy, no noroeste do país, enquanto a segunda confirmou que três pessoas morreram, duas em Aragua e uma em Caracas. Outros relatos indicam que as vítimas podem ser mais numerosas: o jornal espanhol El País noticiou uma morte em Zulia, enquanto o El Mundo afirmou que sete pessoas morreram.
As forças de segurança venezuelanas dispararam gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes, que questionavam a reeleição reivindicada por Maduro — que prometeu não vacilar na repressão aos protestos. Em algumas localidades, como em bairros de Caracas e na cidade de Carabobo, foram ouvidos disparos com arma de fogo.
— Desta vez não vai haver nenhum tipo de fraqueza. Desta vez, na Venezuela vai se respeitar a constituição, se respeitará a lei e não se vai impor nem o ódio, nem o fascismo, nem a mentira e nem a manipulação — disse Maduro em um pronunciamento.
Em meio à repressão, foram registrados também sequestros e desaparições. Um líder opositor, Freddy Superlan, foi retirado de dentro de um carro por homens armados e vestidos de preto, em uma ação gravada em vídeo. A ONG Provea informou que familiares de 25 estudantes denunciaram não saberem o paradeiro deles após um protesto em frente à Universidade de Segurança Nacional, por terem sido forçados pelo diretor a votar em Maduro.
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Em Petare, maior favela da capital venezuelana e um reduto histórico do chavismo, milhares de manifestantes saíram às ruas com gritos de protestos que incluíam “vai cair, vai cair, este governo vai cair!” e “Que entregue o poder já!”.
Por todo o país, pelo menos cinco estátuas de Hugo Chávez, o falecido ícone socialista que liderou o país durante mais de uma década e escolheu Maduro como seu sucessor, foram derrubadas pelos manifestantes.
— Pela liberdade do nosso país, pelo futuro dos nossos filhos, queremos liberdade, queremos que Maduro vá embora, vá embora Maduro! — disse à AFP Marina Sugey, uma dona de casa de 42 anos, no protesto em Petare.
O mandatário, reeleito para um terceiro mandato de seis anos, denunciou uma tentativa de golpe de Estado “de caráter fascista e contrarrevolucionário”. O ministro da Defesa, Vladimir Padrino, informou que 23 militares ficaram feridos.
A oposição liderada por María Corina Machado denuncia fraude e disse ter “como provar a verdade” da eleição que afirma ter sido vencida por Edmundo González Urrutia no domingo, frente ao mandatário socialista. Machado explicou que, após acessar cópias de 73% das atas de apuração, projeta-se uma vitória de 6,27 milhões de votos contra 2,75 para Maduro.
— A diferença foi tão grande, esmagadora (…), em todos os estados da Venezuela, em todos os setores, ganhamos — afirmou María Corina.
‘Revisão completa dos resultados’
Os Estados Unidos, chave no processo que levou à eleição, e os vizinhos Brasil e Colômbia, os três países que mais receberam migrantes venezuelanos, questionaram a apuração que concede a Maduro um terceiro mandato de seis anos com 51% dos votos, frente a 44% de González, segundo o CNE, de linha oficialista.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) convocou uma reunião extraordinária a pedido dos governos da Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai, que solicitaram uma “revisão completa dos resultados”. O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela expulsou o pessoal diplomático dos sete países, diante do que considerou “ações intervencionistas” de seus países.
Na embaixada argentina estão refugiados há semanas seis colaboradores de María Corina Machado, que denunciou um cerco policial à sede diplomática. A oposição já relatou a prisão de cerca de 150 pessoas ligadas à campanha.
A Venezuela anunciou a suspensão, a partir de quarta-feira, dos voos de e para Panamá e República Dominicana, em rejeição à postura de seus governos. O Panamá realiza a maioria dos voos que chegam à Venezuela, enquanto a República Dominicana é a principal conexão para os Estados Unidos.
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Enquanto isso, China, Rússia, Cuba, Nicarágua, Honduras e Bolívia felicitaram Maduro. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, disse que reconhecerá o resultado do CNE.
Nestas eleições, esteve presente uma pequena delegação do Centro Carter, que pediu ao CNE “que publique imediatamente os resultados das eleições presidenciais a nível de colégio eleitoral”. Um painel de especialistas da ONU emitirá um relatório confidencial.
‘Pena máxima’
O chavismo convocou na terça-feira “uma grande marcha rumo a Miraflores”, o palácio presidencial, “para defender a paz”. María Corina e González Urrutia convocaram “assembleias cidadãs” em várias cidades. Não deram maiores detalhes, mas o embaixador distanciou-se dos protestos do dia.
— Não contribuem para esse objetivo — disse na coletiva de imprensa. — Há muita indignação e isso entendemos, mas devemos manter a calma e a serenidade até alcançarmos a vitória.
O procurador-geral, Tarek William Saab, disse na rede social X que “punirá com a pena máxima quem tentar reeditar os protestos impunes e assassinos” desses dois anos.
A maioria das pesquisas favorecia a oposição, que se afastou das presidenciais de 2018 e capitalizou o descontentamento de anos de crise que contraiu o Produto Interno Bruto em 80% e levou ao exílio cerca de sete milhões de venezuelanos, segundo a ONU.
Manifestantes tomam as ruas
Durante os protestos, manifestantes derrubaram uma estátua em homenagem a seu antecessor, Hugo Chávez, na avenida Shema Saher de Coro, no estado de Falcón. Centenas de pessoas foram às ruas ou fizeram panelaços em suas janelas contra a reeleição anunciada nas primeiras horas desta segunda-feira pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), ligado ao chavismo, num resultado contestado pela oposição e por grande parte da comunidade internacional.

Com apenas 80% dos boletins das urnas verificados, o CNE declarou a vitória de Maduro por 51% dos votos, contra 44% de González na madrugada desta segunda-feira. No entanto, na primeira coletiva da coalizão opositora após o resultado, María Corina denunciou fraude no pleito e anunciou o diplomata como novo presidente da Venezuela. Segundo ela, o opositor venceu o atual mandatário por 70% votos.
— Hoje queremos dizer a todos os venezuelanos e ao mundo inteiro que a Venezuela tem um novo presidente eleito: Edmundo González. Ganhamos e todo o mundo sabe — disse María Corina, defendendo a vitória do seu grupo político a partir dos resultados de quatro contagens “autônomas” e da análise de 44% das atas das urnas entregues até então. — Neste momento temos 44% das atas, todas as que foram transmitidas nós temos, e todas essas informações coincidem: Edmundo recebeu 70% dos votos e Maduro, 30%.
Os protestos começaram já pela manhã, se espalhando por várias partes do país ao longo do dia. Os manifestantes — em sua maioria jovens — queimaram pôsteres com o rosto de Maduro que promoviam sua candidatura, carregando bandeiras, panelas e instrumentos para acompanhar os gritos de protesto.
— Que ele entregue o poder agora! — exclamaram.
Em Catia, um setor popular da capital, houve os protestos foram vigiados de perto pela polícia e pela tropa de choque da Guarda Nacional.
— Fechamos nossos negócios e começamos a protestar, nos sentimos decepcionados, isso não reflete a realidade, votamos contra Nicolás — disse Carolina Rojas, uma lojista de 21 anos, com raiva.
No centro de Caracas, vários comerciantes preferiram manter seus negócios fechados.
— Minha família ficou chorando em casa — descreveu o dono de uma venda de comida rápida com a grade de segurança do local aberta pela metade.









