De O Globo – Com as operações suspensas desde 11 de março, os slots (autorizações para pousos e decolagens nos aeroportos mais movimentados) pertencentes à Voepass já são alvo de disputa entre concorrentes, enquanto a empresa tenta manter seus espaços.
A Voepass conta com 20 slots diários em Congonhas, um dos aeroportos mais disputados do país pelas companhias, e oito em Guarulhos. A companhia operava nos dois terminais em voos regionais. Também tinha acordo de compartilhamento de voos com a Latam (codeshare).
Segundo executivos do setor, as companhias Gol, Latam e Azul já estão de olho nos slots da Voepass, principalmente em Congonhas, que conta com a ponte aérea Rio-São Paulo, considerada a rota mais rentável do país.
Pela legislação, as companhias que não cumprem critérios de regularidade e pontualidade de voos nos aeroportos coordenados, tem seus slots retomados e distribuídos de forma proporcional entre as empresas que estão ativas.

A decisão da Anac de suspender as operações da Voepass, por motivos de segurança, tem caráter liminar. Caso a companhia cumpra as exigências do órgão regulador, poderá voltar a voar. Ao governo, a Voepass alega que está tomando providências neste sentido.
A retomada dos slots pode tirar as chances de a empresa voltar a operar nos principais mercados, disse uma fonte do governo. Procurada, a Anac confirmou que analisa o pedido da Voepass para não perder slots. “Diante da suspensão cautelar de seu Certificado de Operador Aéreo, no dia 11 de março, a empresa apresentou à Anac um pedido para evitar a perda de seus slots nesses aeroportos. No momento, a solicitação encontra-se em análise na Agência”.
Já a Voepass disse que “não há nenhuma determinação em relação aos slots e não comentará especulações”. Azul e Gol não quiseram se manifestar. A Latam disse em nota que “sempre estuda oportunidades de ampliar sua malha aérea”: “Qualquer nova operação será comunicada oportunamente pela companhia”.
Risco de concentração
A empresa conta com uma frota de seis aeronaves de médio porte, da ATR (turbohélice). Até a suspensão das operações, a empresa atendia 15 localidades, além de contratos de fretamento.
Com a ocorrência do acidente da Voepass em agosto de 2024 em Vinhedo (SP), que matou 62 passageiros, a Anac apertou a fiscalização na empresa. Um dos argumentos da Anac para suspender os voos da Voepass foi o descumprimento de acordos para melhorar a segurança.
“Foi constatada a reincidência de irregularidades apontadas e consideradas sanadas pela Agência nas ações de vigilância e fiscalização anteriores e a falta de efetividade do plano de ações corretivas. Ocorreu, assim, uma quebra de confiança em relação aos processos internos da empresa devido a evidências de que os sistemas da Voepass perderam a capacidade de dar respostas à identificação e correção de riscos da operação aérea”, afirmou a Anac na ocasião.

Um dos destinos atendidos pela Voepass é Fernando de Noronha.
Com a paralisação das atividades da empresa, somente a Azul ficou operando no aeroporto. Para não prejudicar os passageiros, a Anac autorizou a operação de jatos no terminal, que passou por obras. Com capacidade limitada e muita procura, a Anac pretende adotar o sistema de divisão de slots no aeroporto da ilha. Em nota, a Anac afirmou que a divisão será isonômica:
“Foram considerados critérios como o histórico de operações de cada empresa aérea e a ampliação da concorrência. Embora essa distribuição tenha sido moderada pela Anac, a gestão da infraestrutura aeroportuária ficará a cargo da administração do aeroporto, não se tratando de coordenação propriamente dita”.
Alessandro Oliveira, professor de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), diz que redistribuir os slots da VoePass em aeroportos como Congonhas no momento em que há discussões envolvendo a fusão da Gol com a Azul pode ser problemático:
— Estamos em um momento com possibilidade de aumento da concentração, com a possível fusão da Gol e Azul. Não é um bom momento. Estamos com poucas empresas, e a Voepass era uma opção. Se houver redistribuição, o cenário ideal seria que os slots fossem repassados para uma empresa que começasse a operar a partir deles. Mas esse tipo de ordenamento não existe.
Uma possibilidade, diz ele, seria reservar os slots de forma pró-competitiva, com o direito de uso provisório. Segundo ele, o slot é muito valioso para não ser utilizado.
— A possibilidade seria redistribuir os slots para evitar concentração. Mas não é um critério econômico que gera redistribuição de slots. O que gera o retorno do slot é o mau uso, como cancelamentos e atrasos… Então, fica difícil para a Anac implementar uma política de defesa da concorrência. Por lei, ela não tem essa atribuição. O que ela pode fazer é postergar para ver se aparece algum concorrente.
Marcus Quintella, professor da FGV Transporte, explica que a redistribuição de slots envolve apenas aeroportos saturados, onde a demanda é maior, como os dois de São Paulo, Recife e Santos Dumont, no Rio. Segundo ele, a fatia da Voepass não chega a 4%.
— Cabe à Anac entender como será feita essa redistribuição, pois ela deve zelar pela transparência e pelo equilíbrio do mercado. Não é uma situação fácil. Mas não é uma quantidade significativa. Não vai afetar os preços das passagens. É algo que pode melhorar a margem aérea, apesar de ser uma participação baixa.









