
Por Diogo Bercito, da Folha de São Paulo – Não dá para dizer que os ataques do Hamas ao sul de Israel neste sábado (7) foram inesperados. Palestinos têm dito há anos que a situação na Faixa de Gaza era insustentável, que um dia ia explodir – como explodiu.
Hamas e Israel vão travar um embate físico, de tanques e foguetes, mas vão se enfrentar também na arena pública nos próximos dias. Vão tentar convencer o mundo da justiça e da legalidade das suas ações. Nosso desafio é enxergar através da névoa da guerra. A perspectiva histórica ajuda nessas horas.
A Faixa de Gaza abriga diversas comunidades palestinas expulsas de suas terras em 1948, data da criação do Estado de Israel e do embate com seus vizinhos árabes. Herdaram um trauma. Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou a faixa. Manteve colônias ali até a sua retirada unilateral em 2005. O território foi tomado em seguida pela facção radical Hamas, que controla Gaza desde então.

Com a justificativa de sua segurança, Israel mantém um bloqueio terrestre, aéreo e naval à faixa. É uma forma de ocupação indireta. Palestinos dizem, portanto, que vivem na maior prisão a céu aberto do mundo. São mais de 2 milhões de pessoas instaladas em um território de 365 quilômetros quadrados -um quarto da área do município de São Paulo. Uma das maiores densidades populacionais do mundo.
Moradores de Gaza não têm liberdade de movimento nem acesso garantido a coisas como eletricidade, água potável, remédios e material de construção. Governada por um grupo extremista, uma geração de jovens cresceu odiando as pessoas do outro lado do muro. O Hamas lançou nos últimos anos saraivadas de foguetes contra civis israelenses na fronteira. Israel respondeu com bombardeios, debilitando a infraestrutura local.
Desconfie, portanto, das análises dizendo que essa guerra é inesperada. O ataque do Hamas pode ter tomado o governo de Israel de surpresa o que sinaliza um fiasco histórico de inteligência (e também de bom senso). Mas não é um evento inesperado. É um lembrete do risco de manter um status quo injusto.

Os palestinos que aparecem nos vídeos cruzando a fronteira e entrando em Israel nunca tinham deixado a faixa de Gaza durante as suas vidas. Celebram uma fuga, também, e não apenas o ataque e os sequestros.
Nada disso justifica, que fique claro, a morte de dezenas de civis israelenses. Imagens terríveis circulam neste sábado, registrando a captura e assassinato de inocentes. É preciso condenar os ataques do Hamas de maneira inequívoca, como tantos governos já fizeram, inclusive, sem titubear. É preciso pressionar as partes envolvidas para que interrompam as hostilidades, também.

Mas, nas redes sociais, palestinos têm feito perguntas importantes, que não podemos ignorar. Por exemplo, querem saber por que o mundo celebra os ucranianos que resistem aos russos enquanto condena os palestinos de Gaza. Querem saber também quem vai lamentar a morte de civis palestinos nos próximos dias, durante os ataques do Exército israelense, que vai tentar compensar seu fracasso com violência. A dúvida, nesse caso, é quem tem direito à humanidade.