Por José Eduardo Agualusa – Catarina adotou um coelhinho branco. Era tão branco, tão pequenino, tão fofo, que parecia um boneco de pelúcia. Chamava-se Ton-Ton. Certo dia, Ton-Ton viu um gato, assustou-se, e quando a minha amiga tentou agarrá-lo, o animalzinho deu um grande salto e cravou-lhe os dentes no pescoço. Catarina teve de ser levada para um hospital, sangrando rios.
— A senhora poderia ter morrido — assegurou o médico que a assistiu. — O golpe quase atingiu a jugular.
Nos minutos seguintes, julgando que fosse um caso grave de violência doméstica, o médico tentou convencê-la a chamar a polícia. A minha amiga reconheceu que sim, que fora um caso de violência doméstica.
— Mas o culpado não foi nenhum homem, foi ele. Dizendo isto apontou para Ton-Ton, que, alheado e inocente, na sua gaiola cor-de-rosa, roía uma cenoura. O médico não acreditou. Nem ele nem nenhum dos outros médicos e enfermeiros. Como é que um animal tão bonito, tão frágil, tão inofensivo, poderia ter cometido um ato de tamanha agressividade?

Talvez alguns leitores julguem que me preparo para usar a história acima como uma metáfora sobre a enganosa aparência de tantas pessoas, que, parecendo inofensivas, doces, distantes de qualquer forma de violência, são, contudo, capazes das piores crueldades. Sosseguem. Quero mesmo continuar a falar sobre coelhos. Após o episódio com Catarina, escutei casos semelhantes de, digamos assim, violência doméstica, envolvendo ataques de coelhos. Ao que parece os coelhos são bichos extremamente sensíveis. Qualquer coisa os assusta. E quando estão assustados, naturalmente, mordem.
O pior de ser morto à dentada por um coelho fofo não é tanto a morte, mas o ridículo. Há mortes que destroem a reputação de uma vida inteira. Imaginemos, por exemplo, Mike Tyson, um pugilista famoso pela agressividade. Imaginemos que Mike morresse vítima de uma dentada do seu coelhinho de estimação. Hoje quando pensássemos nele não seria para recordar nenhum dos numerosos combates de boxe em que participou, nem sequer aquele em que Mike tentou arrancar a orelha de Evander Holyfield à dentada, mas apenas para troçar daquela morte absurda.
Entre as mortes ridículas, que convém evitar a todo o custo, está uma que ocorre apenas em países tropicais: a morte por coco. Em Moçambique, país que possui vastíssimos coqueirais, morre mais gente vítima de uma pancada de coco na cabeça do que da explosão de minas esquecidas durante a guerra civil. Um coqueiral, portanto, é uma espécie de campo de minas — mas mais fofo, como um coelhinho branco.
O filósofo grego Ésquilo é um desses casos cuja morte, de tão absurda, arruinou a seriedade de uma vida dedicada à reflexão e ao teatro. Conta-se que uma pitonisa teria prevenido Ésquilo de que morreria vítima da queda de um teto. O filósofo decidiu então que passaria a refletir e a escrever ao ar livre. Num belo dia, estava sentado junto ao mar, quando uma águia, voando muito alto, deixou cair uma tartaruga sobre a sua cabeça — e Ésquilo morreu. Suponho que a tartaruga também. Neste caso, teria sido muito mais conveniente para Ésquilo que, em vez de uma tartaruga, a águia estivesse carregando um coelhinho fofo.
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*José Eduardo Agualusa é jornalista, escritor e editor angolano de ascendência portuguesa e brasileira.