Do G1 – O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) julga, nesta terça-feira (14), os recursos apresentados pelo Ministério Público do estado (MPPE) questionando decisões judiciais que resultaram na redução da pena de três presos condenados a mais de 30 anos de prisão por crimes hediondos.
Segundo o Ministério Público, eles foram beneficiados por um erro na aplicação do “cômputo em dobro”, benefício concedido a apenados que cumpriram, ao menos, parte da pena no Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife (saiba mais abaixo).
O “cômputo em dobro” foi uma das medidas tomadas contra a superlotação do presídio, que acumula um histórico de problemas estruturais e violações de direitos humanos. Pela norma, que começou a ser aplicada em setembro de 2022, o tempo que um apenado passou no local é contado em dobro e descontado da condenação final.
Ou seja, se uma pessoa ficou cinco anos no Complexo do Curado, por exemplo, esse período é dobrado na contagem de tempo para cumprimento da pena, e são considerados dez anos no local.
Uma das pessoas que ficaram detidas no presídio do Curado e que foram beneficiadas pela medida é Rosemberg Ramos da Silva, condenado a 190 anos de prisão por homicídio, roubos e sequestros praticados entre as décadas de 1990 e 2000.
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Segundo a legislação brasileira, apesar de a condenação ser muito maior, ninguém pode ficar mais de 30 anos na cadeia no país.
Foi em cima desse limite, e não do tempo total de pena, que a contagem foi aplicada, segundo o promotor de Justiça Rinaldo Jorge da Silva, o que resultou na liberdade de Rosemberg em 2023; para o Ministério Público, antes do que deveria ter acontecido, se o cômputo em dobro tivesse sido aplicado à pena total.
“O Tribunal de Justiça, ao julgar um incidente de recursos repetitivos, que nós ingressamos também, definiu que a natureza jurídica desse cômputo em dobro é de remição. […] Ou seja, se ele é condenado a 190 anos, tem que cumprir, no máximo, 30 anos, mas essa remissão do cômputo em dobro não pode incidir nos 30 anos, e sim na pena total de 190 anos. Por isso, levamos o caso ao TJPE”, disse o promotor, em entrevista ao programa Estúdio i, da GloboNews.
No julgamento desta terça (14), o tribunal vai discutir, de acordo com o MPPE, a situação do ex-tenente da Polícia Militar Carlos Roberto da Silva Júnior.
Medida prevista desde 2018
A implementação do “cômputo em dobro” já estava prevista desde 2018, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), fez uma vistoria no Complexo Prisional do Curado. Na época, a entidade emitiu uma resolução pedindo a proibição de novos detentos no local.
No entanto, de acordo com o TJPE, a medida só começou a ser implementada em setembro de 2022, após decisão da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e então corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura.
Em dezembro de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, determinou que a pena dos presos internados no Curado deve seguir a regra, com exceção daqueles que tivessem sido acusados ou condenados por “crimes contra a vida, integridade física ou dignidade sexual”.
Na entrevista à GloboNews, o promotor Rinaldo Jorge da Silva explicou que a determinação de implantar o “cômputo em dobro” foi uma condenação da OEA contra o estado brasileiro.
“Em inspeções realizadas no Complexo Prisional do Curado e também num dos complexos prisionais do Rio de Janeiro, eles detectaram que os presos estavam em condições subumanas e, para que não tivessem um prejuízo, diante daquela precariedade do local de cumprimento de pena, o estado brasileiro foi condenado a implementar o cômputo em dobro. Para cada dia de pena naquele local ser contado como dois dias de pena”, afirmou o promotor.
Além do Complexo Prisional do Curado, em Pernambuco, a medida também foi determinada para o Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Questionado pelo g1, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) disse que a decisão do cômputo em dobro é dos juízes das Varas de Execução Penal, dependendo de onde a pessoa esteja cumprindo a pena e da localização do processo sob sua competência.
Ainda segundo do TJPE, cada pessoa que cumpriu algum tempo de pena nesses locais pode requisitar o benefício – que deve ser encaminhado pelos advogados ou Defensoria Pública, ou ao setor jurídico da Secretaria Executiva de Ressocialização.
Superlotação no Complexo do Curado
Com um histórico de problemas, o espaço, que antes se chamava Presídio Aníbal Bruno, foi dividido em 2012 em três unidades. A superlotação do local fez com que o governo de Pernambuco fosse denunciado na CIDH.
Em agosto de 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a redução de 70% na população encarcerada no Complexo do Curado. Na época, havia cerca de 6,5 mil presos. Atualmente, segundo o TJPE, são menos de 2 mil.
Em abril de 2023, a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, visitou o presídio e recebeu um relatório sobre a situação do complexo, elaborado por um Gabinete de Crise composto por representantes do TJPE, do governo do estado, do Ministério Público, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Defensoria Pública.
Em outubro, foi a vez do ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, de visitar as unidades prisionais do Curado. Na ocasião, ele declarou que o governo federal vai elaborar um plano de ação para o sistema prisional de Pernambuco a partir de um mapeamento realizado junto a instituições públicas e à sociedade civil.