BRASÍLIA – A CPI da Covid investiga um repasse de R$ 1 milhão da Precisa Medicamentos, responsável por intermediar a venda da vacina indiana Covaxin no país, para a Câmara de Comércio Índia Brasil. A transação foi feita às vésperas da assinatura do contrato de R$ 1,6 bilhão assinado entre a empresa e o Ministério da Saúde.
A CPI da Covid localizou duas transferências feitas pela Precisa à Câmara de Comércio Índia Brasil em 17 e 23 de fevereiro deste ano. Poucos dias depois, em 25 de fevereiro, a empresa assinou um contrato de R$ 1,6 bilhão com o Ministério da Saúde para fornecer 20 milhões de doses da Covaxin, fabricada pelo laboratório indiano Bharat Biotech.
Procurada sobre a finalidade dos repasses na tarde de terça-feira, a Precisa Medicamentos não respondeu sobre a finalidade dos repasses. Já a Câmara de Comércio afirma que os valores se destinaram a patrocinar eventos da associação ao longo de 2021.
Segundo telegramas do Itamaraty, analisados pela CPI da Covid, o presidente da Câmara de Comércio Índia Brasil, Leonardo Ananda Gomes, esteve com o presidente da Precisa, Francisco Maximiano, em encontro na Embaixada do Brasil em Nova Déli no início de janeiro. Na reunião, segundo um relato da embaixada, Maximiano defendeu o negócio com a Bharat para “quebrar o monopólio” das grandes fabricantes.
Um dia depois do encontro, segundo telegramas do Itamaraty, o presidente Jair Bolsonaro informou por carta ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que a Covaxin havia sido uma das vacinas “escolhidas” pelo governo brasileiro, assim como àquela produzida pela AstraZeneca. Não citava as vacinas da Pfizer e do Instituto Butantan, que se queixavam da falta de definição, naquele momento, sobre as propostas enviadas ao Ministério da Saúde.
Em nota, a Câmara de Comércio Índia Brasil relata que a Precisa Medicamentos se associou à entidade em 28 de dezembro de 2020, após já estar credenciada como representante da Bharat Biotech no Brasil. “A associação à CCIB foi realizada, posteriormente, com o intuito de avançar nas tratativas da parceria entre ambas as empresas, visto que se objetivava estabelecer uma Joint Venture.”
A associação, por sua vez, ajudou a buscar empresas interessadas na vacinação privada, outra frente em que Maximiano esperava atuar com a Covaxin em associação com a ABCVAC (Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas). O Congresso, porém, não aprovou a aquisição de doses pela iniciativa privada antes da finalização da imunização dos grupos prioritários pelo SUS. O projeto está parado no Senado.
As tratativas da Precisa com clínicas não foram adiante, inclusive porque a Bharat Biotech não conseguiu, até hoje, a autorização da Anvisa para aplicação da Covaxin.
A indiana Suchitra Ella, diretora da Bharat Biotech, é membro do conselho consultivo da Câmara de Comércio Índia Brasil. Os integrantes da associação negam, porém, que tenham ajudado no contato inicial entre a Precisa e a Bharat Biotech.
Leonardo Ananda Gomes é cônsul honorário da Índia no Rio de Janeiro. Seu pai, Elson Gomes Junior, ocupa o mesmo cargo em Minas Gerais. Cônsules honorários são cidadãos de fora da carreira diplomática, subordinados ao Consulado do país, autorizados a atuar em prol dos interesses de um governo estrangeiro.
Em 3 de fevereiro, o presidente da Câmara de Comércio Índia Brasil, Leonardo Ananda Gomes, esteve presente em evento promovido pela Embaixada da Índia em Brasília, que também contou com a participação do presidente Jair Bolsonaro e ministros de Estado. Leonardo se apresenta como cônsul honorário da Índia.
Nas redes sociais da entidade também foi feita a defesa, especialmente em janeiro, mês que antecedeu a celebração do contrato, da aquisição de vacinas indianas como a Covaxin. “A Índia é o maior polo global de produção de vacinas, responsável por mais de 60% das vacinas produzidas no mundo. E esse post vai te apresentar as empresas e instituições que tornam o país uma potência nesse sentido”, diz a publicação feita em 11 de janeiro, dias após a reunião em Nova Déli.
“Destacamos três das mais importantes nesse setor, sendo a primeira delas a Bharat Biotech, empresa de biotecnologia pioneira, conhecida por sua P&D de classe mundial e capacidade de fabricação. A COVAXIN, vacina contra o covid-19 desenvolvida pela empresa, já possui aprovação para uso emergencial da agência reguladora indiana”.
Em nota, a Câmara diz que “as transferências realizadas da Precisa Medicamentos para a CCIB correspondem às contribuições associativas da mesma à instituição e referem-se ao patrocínio a eventos e iniciativas da CCIB em 2021, tais como: Rodadas de Negócios da Pharmexcil, em parceria com a CCIB (Indo-Latam Connect – Virtual Pharma BSM); Celebração do Dia Internacional do Yoga; Missão Especial dos BRICS 2021 (a ocorrer) e dentre outros”.
“Isto é, as ações estão relacionadas a tratativas comerciais entre empresas privadas. Ressalta-se que a Câmara possui regras estritas de compliance, baseadas, inclusive, em cláusulas de confidencialidade, anti-corrupção e idoneidade”, afirma a associação.
Pelo valor do negócio, a Covaxin foi o imunizante mais caro adquirido pelo país, a R$ 80,70 por dose, quatro vezes o valor unitário da AstraZeneca. Após as suspeitas de irregularidades virem à tona, o acordo foi suspenso.
O contrato de aquisição da vacina indiana está sendo investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal. A Procuradoria do Distrito Federal pediu recentemente a abertura de um inquérito criminal sobre o caso.
O presidente Jair Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal sob suspeita de prevaricação, já que foi alertado em março pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) sobre as suspeitas. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a PF apurasse a responsabilidade do presidente sobre levar adiante a denúncia sobre o contrato.







