Do TAB Uol – A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) vai liderar neste mês uma comitiva de parlamentares ao Marajó (PA). Segundo a assessoria de imprensa da senadora, o objetivo é “constatar, com os próprios olhos”, situações de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Não é a primeira vez que Damares se dedica ao assunto.
O UOL apurou que um programa de Damares, criado sob a justificativa de combater supostas violações de direitos humanos e acusações nunca provadas de exploração sexual, acabou por abrir brechas para grilagem de terras e benefícios a igrejas evangélicas.
O UOL apurou que, durante o projeto, ocorreram irregularidades ligadas às terras do arquipélago, cobiçadas pelo potencial para o agronegócio e para o mercado de crédito de carbono.
Segundo a então ministra, o objetivo do Abrace o Marajó era tornar o local “mais próspero e desenvolvido”, inclusive para combater a exploração e a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Os supostos abusos eram frequentemente abordados por Damares, mas, apesar do investimento inicial previsto de R$ 1 bilhão, nenhuma ação efetiva contra violência sexual foi tomada.
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Em vez disso, o Abrace o Marajó incluiu, entre 2020 e 2022, iniciativas de regularização fundiária entre suas atribuições —foi a primeira vez que a pasta puxou para si essa responsabilidade.
Durante o programa, foram emitidos mais de 400 TAUS e autorizados 50 milhões de m2 para uso sustentável de populações tradicionais.
O TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) é o documento que autoriza o uso de terras da União.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a área regularizada durante a gestão de Damares no ministério é muito fora da curva.
Baseado em dados inéditos obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação), o UOL constatou que o tamanho médio de um terreno no Abrace o Marajó (174 mil m2) teve um aumento de 132% em relação ao tamanho médio registrado em 2013 (75 mil m2), ano do recorde de emissões de TAUS no arquipélago.
Bagre e Oeiras do Pará são as cidades com o maior número de emissões e as maiores áreas autorizadas durante o programa, com direito a TAUS com centenas de hectares.
“Nunca vi TAUS de 3 milhões de metros quadrados”, disse ao UOL o antropólogo Marcos Trindade, da chefia do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no Pará, sobre a dimensão de um terreno em Bagre.
A lei diz que a autorização vale para um raio de até 500 metros da casa do requerente (um ribeirinho, no caso do Marajó).
A reportagem apurou que beneficiários desses TAUS não tinham ideia das áreas gigantes que lhes foram atribuídas.
O tamanho dessas áreas surpreendeu o governo Lula (PT), que revelou ter visto “forte indício de irregularidades” nas emissões do Abrace o Marajó ao anunciar o fim do programa, em setembro de 2023.
“A emissão excessiva levou órgãos do sistema de Justiça a monitorar a situação, em razão de indicativo de fraude”, informou o Ministério de Direitos Humanos em março de 2024.
O UOL apurou outras irregularidades e conflitos de interesses na operação:
- Foram construídos templos da Assembleia de Deus em 2 áreas autorizadas como TAUS e visitadas pela reportagem em Bagre;
- TAUS foram emitidos em Bagre apesar de não haver registro de ações de regularização fundiária, segundo o Ministério da Gestão;
- Reuniões de regularização fundiária ocorreram em 3 templos da Assembleia de Deus em Oeiras;
- TAUS foram emitidos em Oeiras apesar de suspensão por ordem do Ministério da Economia;
- Profissionais dos principais órgãos de regularização fundiária dizem que não participaram e não tiveram acesso aos documentos do Abrace o Marajó;
- Organizações da sociedade civil dizem que foram preteridas no Abrace o Marajó, que priorizou lideranças evangélicas e do agronegócio;
- Biotec Amazônia, uma das empresas parceiras do Abrace o Marajó, tem no conselho um primo de Damares Alves, Paulo Bengtson, que também é pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular.
A senadora tem um histórico de denúncias sem provas sobre a região. Quando ministra, ela afirmou que meninas do arquipélago seriam sexualmente exploradas porque não usam calcinhas e teriam os dentes arrancados “para não morderem na hora do sexo oral”.
A declaração provocou reações. O MPF (Ministério Público Federal) está processando a senadora por fake news e pede uma indenização de R$ 5 milhões.
Damares deve voltar ao arquipélago no dia 22 de maio, acompanhada de uma comissão de parlamentares, “para constatar, com os próprios olhos, todas as situações denunciadas pelos moradores nas últimas décadas, sem que qualquer órgão, mesmo o que hoje processa a senadora, tivesse tomado qualquer providência de fato”, informou sua assessoria de imprensa.
Ela estendeu o convite para a viagem ao Ministério da Justiça e ao Ministério dos Direitos Humanos do governo Lula, mas não obteve resposta, afirmou sua assessoria de imprensa.
Procurada pelo UOL, Damares afirmou que o Abrace o Marajó era “descentralizado”, que providências relacionadas aos TAUS foram tomadas pela SPU (Secretaria do Patrimônio da União) sem sua ingerência e que não teve participação na escolha da empresa Biotec Amazônia.