Por Ricardo Antunes, em Brasília — Os deputados fingiram não ter notado, mas a coluna, sempre atenta, descobriu séria contradição no parecer da deputada Any Ortiz (Cidadania-RS) que aprovou o projeto de lei da desoneração da folha de pagamento para 17 setores econômicos, previsto para ser votado agora à noite na Câmara dos Deputados. O PL 334/2021, oriundo do Senado e juntado a projeto idêntico da Câmara, estendeu a redução da contribuição previdenciária também a um grande grupo de municípios.
Na justificação da aprovação do projeto, Any Ortiz citou a Emenda Constitucional da reforma da Previdência (EC 103/2019) para assegurar não ser inconstitucional prorrogar a desoneração, como fixa o PL 334/2023, até dezembro de 2027, para os 17 setores econômicos, mas mencionou ser contra a Constituição criar nova desoneração – o que estabelecem, justamente, os dispositivos acrescidos ao texto original por um projeto substitutivo de Angelo Coronel (PSD-BA), relator da proposta no Senado.
Escreveu a deputada gaúcha que “à luz da Emenda Constitucional n. 103/2019 (Reforma da Previdência), fez-se claro o registro de que são distintos os institutos jurídicos relativos à instituição de novas desonerações, majoração de desonerações já concedidas e prorrogação de desonerações já concedidas. Ou seja, após a edição da EC 103/2019, a instituição e a majoração são iniciativas proibidas, já a prorrogação de desonerações já concedidas pode ser admitida.”.
INCONSTITUCIONAL
É, portanto, inconstitucional, como assinala o parecer, a desoneração para os municípios, já que foi criada no substitutivo. A relatora, no entanto, defende a medida, mais adiante, no seu relatório, ao equiparar os municípios a empresas, como contribuintes da Previdência Social. Diz Any Ortiz, referindo-se aos municípios: “ embora sejam entes federados, são tratados como empresas para fins de recolhimentos de contribuições previdenciárias, ao não possuir capacidade financeira para instituir regimes próprios, e paradoxalmente, não estão contemplados em políticas públicas similares à desoneração”.

ARGUMENTAÇÃO PODEROSA
Contrário à desoneração da folha para os municípios, uma despesa extra, sem cobertura, da ordem de R$ 9 bilhões anuais, o governo cochilou feio ao deixar passar sem problemas o projeto no Senado. Conseguiu alterá-lo na Câmara, mas mantendo o benefício aos municípios, como constava no texto do Senado, mas tem agora, no próprio parecer do projeto, surpreendentemente, uma argumentação poderosa para o veto presidencial – a inconstitucionalidade da medida.
PRESSA ATROPELADA
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reclamou feio da incompetência do governo em não conseguir barrar no Senado a extensão aos municípios da desoneração da folha de pagamento e de tentar fazê-lo no apagar das luzes, ontem, na votação da urgência do projeto na Câmara, que se viu obrigada, por isso, a alterar o texto. A mudança vai fazer o PL voltar ao Senado, quando as duas Casas tinham pressa na aprovação.
CRONOGRAMA DA INCOMPETÊNCIA
Lira tem razão na sua queixa. O PL 334/2023 foi distribuído na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para a relatoria do senador Angelo Coronel em 19 de abril. Foi incluído na pauta da CAE em 10.05 e em 22.05 seu parecer foi apresentado, com a inclusão dos municípios na desoneração da folha. Ou seja: o governo soube oficialmente da mudança no projeto nesse dia. O líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), pediu vistas em 23.05. Houve uma primeira votação na CAE em 13.06, só com três votos contrários. Em 20.06, o projeto foi aprovado em segunda votação.

RECURSO NÃO USADO
Como a votação na CAE foi terminativa – isto é, sem a necessidade do projeto passar pelo plenário – cabia recurso para que fosse à votação do plenário. O prazo para esse recurso venceu em 28.06, mas ninguém do governo fez uso dele. Se algum senador tivesse lançado mão do recurso, haveria protelação e chances de mudanças. Resultado: o PL da desoneração da folha foi enviado à Câmara em 06.07 e, em rápida tramitação, acabou sendo pautado hoje no plenário.
SAQUES
Pelo sim, pelo não, diante da iminente taxação do governo, foram resgatados dos chamados fundos exclusivos, dos ricaços, nos quais a aplicação mínima é de R$ 10 milhões, nada menos do que R$ 40 bilhões em julho, um recorde, informa a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
DIFICULDADES
O governo vai enfrentar dificuldades na Câmara dos Deputados para aprovar a medida provisória e o projeto de lei das taxações nos fundos dos ricaços – além dos exclusivos, os off shore, aqueles mantidos no exterior, em paraísos fiscais. Cresce no Centrão a convicção de que aumento de receita deve ser obtido por corte de gastos e não por aumento de impostos.
O DIABO E A CRUZ
Arthur Lira (PP-AL) tem repetido, desde a volta do recesso parlamentar, quase como um mantra, a necessidade de uma reforma administrativa como forma eficaz de reduzir despesas. Exaustivamente debatida em muitas audiências públicas na Câmara, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 32/2020, que estabelece a reforma administrativa, está prontinha para ir ao plenário, depois de aprovada na CCJ e na Comissão Especial. O “probleminha” é que o DNA corporativista do PT foge dela como o diabo da cruz.
COOPERAÇÃO
Iniciativa para garantir o direito ao ensino a todas as crianças e adolescentes pernambucanos, a Busca Ativa Escolar (BAE) foi implementada em Pernambuco através de parceria entre o Estado e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

ACORDO
Na tarde desta quarta (30), a governadora Raquel Lyra e o representante do Unicef no Brasil, Youssouf Abdel-Jelil, assinaram um acordo que prevê a cooperação para iniciar a metodologia em todos os municípios do Estado. A cerimônia, ocorrida no Palácio do Campo das Princesas, ainda contou com a participação da vice-governadora Priscila Krause.
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