Com informações do JC – Como se não bastasse ter políticas que incentivam – prioritariamente – o uso do transporte individual sobre os modos coletivos e ativos- o Brasil vem descumprindo obrigações legais relacionadas a investimentos em segurança viária, colocando a vida da população em risco no trânsito.
Dados recentes do Atlas da Violência 2025 – que pela primeira vez ganhou um capítulo sobre a violência nos transportes – e estudos da Confederação Nacional do Transporte (CNT) expuseram uma realidade alarmante: os investimentos do Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (Funset) estão sendo drasticamente contingenciados.
Em 2024, por exemplo, dos R$ 810 milhões arrecadados com multas, apenas R$ 54 milhões foram efetivamente aplicados em segurança viária, com mais da metade do valor indo para a reserva do Orçamento Geral da União (OGU). A situação não é isolada; entre 2005 e 2024, de um total de R$ 23,46 bilhões de despesas autorizadas para o Funset, somente 21,8% foram de fato aplicados nas finalidades previstas.
O Funset foi criado em 1997 pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) com o propósito de financiar ações voltadas à segurança e à educação no trânsito. Instituído para receber 5% da arrecadação das multas de trânsito, seus recursos deveriam ser aplicados exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego, fiscalização e educação no trânsito.
A partir de 2022, a Lei nº 14.440 também permitiu o uso do Fundo para a renovação da frota rodoviária, por meio do Programa Renovar. No entanto, apesar de seu papel estratégico para a proteção de vidas, a maior parte desses recursos tem sido sistematicamente represada e mal direcionada, comprometendo a segurança viária em todo o País.
E a culpa disso, segundo o Atlas da Violência e a nova edição da Série Especial de Economia – Investimentos em Transporte: Funset, da CNT, é a burocracia federal e a falta de projetos estruturados nos municípios. A dificuldade de acesso aos recursos é fato, permitindo que o País direcione a maior parte da quantia para a chamada “reserva de contingência”.
Os estudos mostram que, desde 2005, aproximadamente R$ 16 bilhões foram alocados nessa conta, representando 67,1% das receitas autorizadas. Essa prática impede a implementação de ações concretas e eficientes, levando a uma queda acentuada na execução dos recursos do Fundo desde 2007. Em 2024, a execução foi de meros 5,8% do total autorizado.

Verbas do Funset e seu destino
Enquanto a legislação estabelece que os recursos do Funset devem ser aplicados em áreas vitais como sinalização, engenharia de tráfego, policiamento, fiscalização e educação no trânsito, a análise da aplicação efetiva revela um desvio preocupante. A maior parte dos recursos que foram efetivamente pagos foi destinada a atividades de suporte institucional, e não a ações diretamente ligadas à promoção da segurança viária.
O estudo da CNT mostra que, entre 2005 e 2024, as maiores parcelas dos recursos pagos foram para sistemas de informação do Sistema Nacional de Trânsito – SNT (29,3%), apoio ao fortalecimento institucional do SNT (28,0%) e publicidade e utilidade pública (19,5%).
Em contraste, os gastos com projetos voltados à redução de sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) representaram apenas 11,0% dos recursos do Fundo, e as despesas com educação para a cidadania no trânsito totalizaram somente 2,4% das despesas no mesmo período. A CNT destaca que houve até uma leve deterioração nessa alocação de recursos para a segurança viária entre 2022 e 2024.

Consequências
A baixa execução e o mau direcionamento dos recursos do Funset têm consequências diretas e graves para a segurança do trânsito no Brasil. O cenário de recursos subutilizados ou mal aplicados contribui para o aumento de comportamentos de risco e infrações às normas de trânsito, já que há um número reduzido de iniciativas de informação e educação para os motoristas.
Essa situação se reflete diretamente nos custos associados aos sinistros de trânsito. Em 2024, o custo estimado dos sinistros em rodovias federais alcançou R$ 16,17 bilhões. No acumulado entre 2018 e 2024, esses custos totalizaram R$ 102,41 bilhões. A CNT argumenta, no estudo, que esse montante poderia ser significativamente reduzido com a aplicação mais eficiente dos recursos arrecadados pelo Funset.
“A falta de uma coordenação nacional para o enfrentamento do problema e a fragmentação dos dados sobre sinistros e mortes entre órgãos estaduais, municipais e federais dificultam diagnósticos consistentes e a formulação de políticas públicas unificadas”, alerta a CNT.