Por Amin Stepple
Deu na coluna social do JC. O prefeito do Recife, Geraldo Julio (mais um poste crismado pelo sonambulismo eleitoral dos recifenses), assinou projeto de lei que nomeia com o nome do jornalista Carlos Percol a biblioteca do Compaz do Cordeiro. Carlos Percol morreu jovem, no trágico acidente do avião que levava também o ex-governador Eduardo Campos. Não tive a oportunidade de conhecê-lo.
Disseram-me que o Percol dele não é sobrenome, mas sim um apelido incorporado, numa referência à antiga loja de roupas masculinas, de cortes mais clássicos. Achei divertido, e logo me causou simpatia pelo colega de profissão. Será verdade? A homenagem, do apelido e do nome da biblioteca, deve ser justa. Não será por mim contestada.
Mas, olhando pelo lado oficial, a fila dos merecidos homenageados foi furada. Placa de bronze pouca, meu pirão primeiro. Essa é, ao que parece, a mentalidade do prefeito Geraldo Julio e de seus secretários. Aliás, o sorriso (plastificado?) do atual prefeito lembra a definição do escritor Oswaldo Andrade para o ditador Getúlio Vargas: “Ele tem o sorriso de rendez-vous”.
Todos nós temos os nossos mortos, que nos deixaram como o se sol tivesse caído sobre nossos olhos. Um poema de Drummond explica melhor: “Esta vida é uma estranha hospedaria/de onde se parte quase sempre às tontas/pois quase nunca as nossas malas estão prontas/e a nossa conta nunca está em dia”
O prefeito Geraldo Júlio, que saiu dos gabinetes refrigerados do Tribunal de Contas, deveria prestar mais atenção nas contas das honrarias. Ou deveria ser mais educado e não furar filas. O mais importante cineasta pernambucano Fernando Spencer, falecido há mais de cinco anos, ainda não mereceu sequer o nome de uma favela, dessas que nascem todos os dias nas beiradas dos viadutos desta cidade degradada. Spencer fez muito pela cultura pernambucana. Mesmo sem saber, todo cineasta jovem e o não tão novinho devem demais a ele.
Diretores caretas como Kleber Mendonça e Claudio de Assis, com seus filminhos politicamente corretos (draminhas imobiliários e ecológicos), não existiriam sem a presença de Spencer, que derramou litros de suor pelo cinema pernambucano. Pior do que um filme politicamente correto é um filme politicamente correto maquiado com o blush falsificado de vanguarda. (“Careta, quem é você?”). Spencer, meu amigo, furaram a fila.
Recentemente, perdemos um dos mais talentosos jornalistas do Brasil, Geneton Moraes Neto. O coração de Geneton, de tamanho continental, perdeu a partida de xadrez para o anjo da morte do Sétimo Selo. Geneton, menino de classe média do bairro da Torre e fã de Pelé, foi o maior jornalista de toda uma geração. Honrou a profissão até as últimas horas de vida, participou da resistência à ditadura (por onde andava o sorriso de rendez-vous?) e foi superoitista de primeira hora, sem fazer filmecos caretas. Nenhuma palafita insalubre do Recife leva o nome de Geneton Moraes Neto. Geneta, rapaz, furaram a fila, mais uma vez.
Sempre que passo pela horrenda Avenida Norte, sinto vontade de telefonar para o meu amigo Lula Arraes, médico humanista, culto e um dos que, ao lado do gigante Gilliat Falbo, carregam nas costas o IMIP, esse Hospital Santa Joana dos humilhados e ofendidos. Lula Arraes, diria eu, peça para retirar o nome do ex-governador Miguel Arraes dessa pocilga coleante Av. Norte.
O doutor Arraes, que muito contribuiu (e poucos sabem disso) para distribuir justiça social não só em Pernambuco, mas também no Terceiro Mundo, merece homenagem melhor. Ou então, exija que o prefeito Geraldo Julio reforme a avenida e a torne digna dos milhares de pessoas que moram nela e nos seus entornos. Não vamos mais copiar os militares e continuar humilhando doutor Arraes além-vida.
Tenho procuração para falar em nome dos meus amigos mortos Fernando Spencer e Geneton Moraes Neto. Comemos, juntos, em várias e sucessivas ocasiões, muito sal grosso. Respeito a memória de Carlos Percol. Deve ser uma homenagem justa. Mas a turma do sorriso de rendez-vous furou a fila. Nos tempos de Getúlio Vargas, as saúvas ameaçavam acabar com o Brasil. Hoje, basta passar a vista nos jornais, é fácil constatar que o populismo de baixa extração acabou o País. “Careta, quem é você?”
* Jornalista e cineasta







