Por Ricardo Antunes — Quando anunciou a renúncia ao cargo e o abandono da vida política após mais de 50 anos, Jarbas Vasconcelos encerrou uma era em Pernambuco e deixou aberta uma discussão de quase um século. O questionável papel da figura do suplente de senador.
Não é para menos. Essa é uma instituição tipicamente brasileira, como o samba e o arroz com feijão. Ao ocupar a vaga no Senado Federal, de forma definitiva, a partir desta quarta (6), o economista Fernando Dueire, de 64 anos, se torna um exemplo de como é possível um cidadão medíocre politicamente falando chegar ao poder, após indicações para cargos técnicos e burocráticos meramente por conveniência.
Uma meta tão cobiçada por tantos outros ficaram pelo caminho. Jarbas tinha milhões de amigos para a vaga. Os empresários Paulo Sérgio Macedo e Severino Mendonça. O eterno vice e ex-deputado Raul Henry, seu filho escudeiro de tantos anos.
Com mais de 80 anos de idade, Jarbas deu sinais de que não conseguiria chegar ao fim do mandato de senador. Em dezembro do ano passado, ele pediu a primeira licença médica (pelo mal de Alzheimer) que ninguém ousou dizer e que já surgia na campanha de 2018 na chapa de Paulo Câmara (PSB) e Luciana Santos do (PCdoB).

Desde o ano passado ele foi renovando, até chegar ao fatídico dia 5 de setembro de 2023. O dia do adeus à política, com um currículo marcado por mandatos de deputado, senador (duas vezes), prefeito do Recife (duas vezes) e governador de Pernambuco (duas vezes).
A renúncia ao Senado aconteceu uma semana depois do lançamento de sua biografia oficial e num momento pelo qual passa o pais e em que a Câmara Alta do parlamento nacional precisa de políticos de peso e com representatividade. Não é o caso de Dueire que não teve um voto sequer para está no Senado da República. Talvez, o próprio e único voto.
Vale lembrar que nem sempre foi assim. A ideia de ”inventar” um suplente para senador da República surgiu na Constituição de 1946. Era o governo do pós-Segunda Guerra em outra realidade. O Brasil tinha acabado de deixar a ditadura do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas, em 1937, e buscava a afirmação da democracia, mesmo que de forma meio mambembe.
Naquela época, ficou decidido que o cidadão votaria em um candidato a senador e levaria junto o suplente. Sem direito de escolha. Uma imposição eleitoral. Ou seja, na base do pague um e leve dois. Na maioria das vezes, esse suplente de senador é uma pessoa sem expressão política.
E até pode ser um cidadão que não tem muito costume de cumprir as leis em vigor. Pode ser pai, filho, avô, vizinho. E, na pior das hipóteses, o empresário ou financiador da campanha do titular.
Ou uma pessoa que topa muita coisa para entrar na chapa majoritária, sem nenhuma afinidade de programa de governo e de princípios. Mas de olho em algo “proveitoso”. É algo como juntar um comunista com um liberal e forçar o eleitor a engolir essa mistura explosiva.
E quem se lembra em quem votou? Muito menos para ser substituto de alguém. É bom frisar o nome do suplente de senador aparece sempre em letras miúdas nos cartazes e adesivos de campanha. Mais fácil é ler bula de remédio.
E, como tudo no Brasil as coisas podem piorar, tem mais suplente na parada. Em 1977, na Ditadura Militar, inventaram o segundo substituto de senador. Isso mesmo. Ou seja, virou pague um leve mais dois de brinde. Isso facilita ainda mais as armações de coligações mais esdrúxulas e incompreensíveis.

E, quando o titular morre ou se ausenta para ocupar um cargo de ministro, por exemplo, a cadeira no parlamento acaba caindo no colo de alguém que não tem “tarimba”, não está necessariamente preparado e, sobretudo, em que o eleitor não votou. E esse suplente tem ainda outro…. suplente.
No caso concreto de Pernambuco, Fernando Antônio Caminha Dueire tem pouco tempo no Senado, mas já provocou polêmica. No começo deste ano, contrariou o próprio “patrão”, o então titular Jarbas, e a bancada nacional do MDB e votou em Rogério Marinho (RN) para presidente da Casa.
Foi acusado pelo entorno de Jarbas de “traidor”.
Ou seja, sem levar em conta tradição de seguir o “chefe”, o substituto de uma chapa voltada à esquerda passou por cima de tudo e de todos e escolheu um bolsonarista de carteirinha. Muito estranho.
Essa é um das situações mais comuns que acontecem com as trocas de titulares pelos suplentes. Uma estatística de 2017 mostra um terço do Senado era composto por substitutos. E o eleitor, como fica? É comprar gato por lebre.
Até tentaram, várias vezes, mudar essa história. Há um monte de projetos em tramitação e outros no fundo das gavetas que sugeriram deixar o Brasil como os outros países e acabar com esse negócio de suplente. Uma das ideias é considerar o cargo vago e providenciar outra eleição. Simples assim. E justo.
Está mais do que na hora de o Brasil aposentar os suplentes de senador. O eleitos não pode mais permitir a troca de um carro de Fórmula 1 por um Fusca do Itamar.
Dueire é inteligente, articulado e um quadro técnico da maior qualidade. Ocupar uma cadeira no Senado da República, que já foi de Armando Monteiro, Sergio Guerra e de José Jorge é uma completa distorção do nosso sistema representativo.
O Senado é a casa do povo. Dueire, um tecnocrata de classe média alta da avenida Boa Viagem não merecia isso. Tinha muita gente na sua frente.









