Por *Patrícia Raposo- O governador pernambucano Paulo Câmara tornou obrigatório, a partir desta segunda-feira (27), o uso de máscaras de proteção para funcionários e colaboradores dos estabelecimentos comerciais em funcionamento. O decreto Nº 48.969 de 23 de abril de 2020 recomenda, ainda, a utilização de máscaras para toda a população em geral, sempre que for necessário sair de casa, mesmo que artesanal. A medida segue orientação da Organização Mundial de Saúde e é de extrema importância, pois já se verificou que seu uso pode conter o avanço da Covid-19. Mas, o decreto vem num momento em que falta o produto no mercado.
No entendimento do governo, haveria tempo hábil para que as pessoas se preparassem para a medida, já que o decreto foi publicado com quatro dias de antecedência. Haveria, se as máscaras não estivessem escassas nas farmácias e no varejo. O desabastecimento, inclusive, abriu espaço para um mercado informal de produção deste Equipamento de Proteção Individual (EPI). Isso, por um lado, ajuda a gerar renda entre os informais, tão necessária neste momento.
Mas, por outro, não garante a segurança no enfrentamento da doença, seja porque são produtos não testados, seja porque não há certeza de que vão chegar a todos que deles precisam. Vamos lembrar que a renda da população está bem curta.
O decreto, portanto, se antecipa à realidade. Embora essencial no combate da Covid-19, a obrigatoriedade do uso de máscaras deve ser estabelecida dentro de um contexto possível ao seu cumprimento. Do contrário, ou as pessoas serão penalizadas injustamente, ou o governo fica arranhado, podendo, inclusive, gerar para si desgastes desnecessários. É certo que o decreto diz que a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico articulará e coordenará rede de atuação colaborativa entre cidadãos e empresas, mas isso deveria ter sido feito antes de sua vigência.

Quem já teve experiência com gestão de crise sabe que, quando ela ocorre, as demandas veem de todas as direções e é preciso apagar incêndios a cada instante. Mas, numa situação de enfrentamento, o planejamento das ações exige sintonia com a realidade. Não pode ser diferente. Responsabilidade que recai sob o comando do comitê gestor, que precisa ter um olhar de 360 graus sobre o cenário. Quem está no comando só deve ter por missão esse olhar global. Se lhe for atribuída qualquer outra tarefa, tenderá a se desviar dele.
Um comitê gestor de crise não pode incorrer em equívocos que ponham em risco a credibilidade das suas ações. É certo que o governo do estado lançou há poucos dias um programa de estímulo à produção de máscaras pelas empresas do polo têxtil do Agreste, mas é preciso analisar se as empresas terão tempo hábil para despejar no mercado sua produção, de modo a atender ao que determina o decreto, considerando ainda a logística de entrega em todo estado e o resultado dos testes de segurança do produtos que estão sendo feitos tanto no Instituto de Tecnologia de Pernambuco (ITEP), quanto na Universidade de São Paulo.
Também é necessário saber se a população de baixa renda vai ter acesso às máscaras e de que forma. A Espanha, que está sendo duramente atacada pela pandemia, está distribuindo 10 milhões de máscaras com a população. Recursos por aqui, para a entrega gratuita, existem. Basta recordar que, durante o Carnaval, inúmeras empresas produzem leques e bonés de papel e distribuem com os foliões.
Por que não uma ação que reúna essas empresas para colocar suas marcas nas máscaras fazendo com que elas sejam produzis em larga escala e cheguem à população de forma gratuita?
Criatividade também é importante no comando da crise. É por isso que um bom comitê deve contar com profissionais de variadas áreas em busca de soluções eficientes e diversificadas. E o bom gestor ouve a todos, sem discriminação. Porque ideias saem de onde se menos espera. E o time deve jogar junto para alcançar a vitória.
Analisando a situação sob a ótica global, o desabastecimento é fruto da negação do problema e não atinge só Pernambuco. Nenhum gestor público deste país – e de muitos outros – se preparou para a pandemia que se anunciava desde o final de 2019. A crise do coronavírus foi a maior crise global dos últimos 100 anos e a mais anunciada de todas.
Tivemos tempo suficiente para nos preparar, vendo o que acontecia na China. O resultado hoje é retrato do descaso. Não há EPIs suficientes nem mesmo para os profissionais da saúde, que estão enchendo as redes sociais com e denúncias de falta de equipamentos de segurança. Não temos respiradores que dê conta da demanda e os hospitais de campanha estão sendo levantados a toque de caixa.
Ignorar os gritantes sinais que essa a crise vinha dando desde o final do ano passado nos faz pagar hoje um alto preço.
*Patricia Raposo é jornalista, fundadora do Movimento Econômico, consultora de Comunicação e Gestão de Crise