Do G1 — A Polícia Civil investiga uma denúncia de assédio sexual e moral contra o superintendente financeiro do Náutico, Errisson Rosendo de Melo, que é irmão do presidente executivo do clube, Edno Melo. A queixa foi registrada pela ex-diretora da Mulher e de Operações do Náutico, Tatiana Roma, na 1ª Delegacia de Polícia da Mulher, em Santo Amaro, no Centro do Recife.
O Boletim de Ocorrência foi feito no dia 12 de novembro, mas o assunto veio à tona na segunda-feira (22), quando Tatiana também usou as redes sociais para denunciar os assédios. Em entrevista ao ge, a ex-funcionária de 35 anos relatou algumas situações de assédio moral e sexual que vivenciou dentro do clube na presença de Errisson, de 42 anos.
“No começo, era só o que alguns homens consideram como brincadeiras de mau gosto. Eu percebi que passou para uma problema maior no dia em que cheguei ao clube e Errisson estava me esperando e me perguntou se eu gostava de sexo a três. Eu não respondi e subi. Isso foi a primeira. Depois houve várias desse tipo”, afirmou Tatiana.
“Teve um dia em que estava com uma blusa em que aparecia um pouco o meu ombro e ele disse que minhas sardas davam tesão nele e que ele não conseguia se concentrar no que eu estava falando com ele. Outra vez, em frente a outro funcionário, ele perguntou se eu conhecia o motel Lemon. E aí foi uma escalada. Com outras funcionárias, ele fazia questão de trocar de roupa na frente delas, trocava de blusa. Coisa desse tipo”, relatou.

“Quando ele viu que não conseguiria, começou a fazer o que, para mim, por incrível que pareça, é ainda pior. Ele começou a me atingir moralmente. Começou a me chamar de idiota, me esculhambar. O custo de um jogo, por exemplo, era de R$ 6 mil, e ele me dava R$ 500 e mandava eu me virar. Ele começou a querer me diminuir para ver se conseguia o que ele queria. Chegou na frente de um funcionário de segurança privado e disse para não fazer nada que eu mandasse porque eu era uma imprestável”, disse.
A denúncia registrada na polícia pela ex-funcionária do clube abrange supostos crimes de importunação sexual (pena de um a cinco anos de reclusão) e contra a honra, como injúria (um a seis meses de detenção, ou multa), calúnia (seis meses a dois anos de detenção, e multa) e difamação (três meses a um ano de reclusão, e multa).
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que Tatiana relatou ter sido vítima desses crimes durante 14 meses. “As investigações foram iniciadas e seguem até total esclarecimento do fato”, declarou a corporação no texto.
Também através de nota, o Náutico informou que Errisson “pediu afastamento enquanto o assunto está sendo tratado no âmbito jurídico” (confira a íntegra da resposta do clube no final desta reportagem).
Os assédios ocorreram entre maio de 2020 e julho de 2021, quando a ex-funcionária deixou o clube, de acordo com o que consta no Boletim de Ocorrência. O ge teve acesso ao documento e também à denúncia feita por Tatiana ao Conselho Deliberativo do Náutico, dois meses antes, no dia 2 de setembro.
Ela contou que foi alvo de “pressões” e “intimidações” de outras pessoas ligadas ao clube, incluindo do presidente do Conselho Deliberativo, Alexandre Carneiro.

“Primeiro fiz uma denúncia ao Conselho Deliberativo, a princípio sigilosa, do caso. O sigilo, nesse caso, era para que a denúncia, a princípio, não saísse do Conselho. E não fizeram nada. Alexandre me chamou na sala dele me dando pressão para tirar a denúncia, me pedindo para segurar isso para 2022”, disse Tatiana.
Ainda sobre esse processo de intimidação, Tatiana contou que o presidente da torcida organizada Fanáutico, conhecido como “Negão”, foi sondado por Errisson para que denunciasse falsamente por racismo a ex-funcionária do clube. Isso foi relatado ao presidente do Conselho Deliberativo do Náutico através de uma carta recebida pela secretaria do órgão em 28 de outubro.
A pressão dentro do clube levou Tatiana a procurar o presidente do Náutico para falar sobre o assunto e o irmão dele, Errisson Melo, propôs um acordo extrajudicial: se a denúncia fosse retirada do Conselho, seria realizada a doação de 50 cestas básicas para o Lar do Neném, ONG localizada no Recife que acolhe crianças de até 4 anos em situação de abandono ou risco.
O documento que oficializa esse acordo, protocolado em 7 de outubro, foi assinado tanto por Tatiana quanto por Errisson. Mas, de acordo com a ex-funcionária do clube, o que foi combinado não foi cumprido.
“Eu aceitei o acordo porque queria paz e retirei o processo do Conselho. Só que Errisson não doou as 50 cestas básicas. Ele fez uma transferência no valor de R$ 2,5 mil, que não corresponde ao valor de 50 cestas básicas [no Recife, o preço médio de uma cesta básica é de R$ 100]. Fiz uma nova denúncia ao Conselho pedindo o afastamento de Erisson em 48 horas e aí minha vida virou um inferno”, afirmou Tatiana.
Ela relatou ter recebido uma ligação do presidente do Conselho Deliberativo do Náutico no dia 8 de novembro. “Alexandre me ligou só não me chamando de bonita, o resto ele me esculhambou. Disse que o clube teria uma eleição para enfrentar [que ocorre no dia 5 de dezembro] e que eu deixasse o assunto quieto, que não deveria tornar isso público. Diante disso e do que Alexandre me disse, eu optei por fazer o Boletim de Ocorrência”, disse.

Outra denúncia
Tatiana contou que, antes de procurar a polícia, ouviu outras cinco funcionárias do Náutico, das quais quatro também relataram terem sido vítimas de assédio sexual por parte de Errisson. “Eu passei uma manhã trancada no meu quarto chorando. Você não tem noção o quanto é horrível ouvir de outras mulheres o mesmo que você passou. E algumas com relatos muito piores”, afirmou.
Errisson Melo também é acusado de assédio sexual e moral por outra ex-funcionária do Náutico que preferiu não ser identificada. Ela contou que sofreu os supostos assédios sexuais e morais entre 2017 e 2018, dois anos antes dos relatados por Tatiana Roma.
“Ele verbaliza que queria deitar comigo. Me chamava de linda, dizia que eu tinha um corpão e só queria uma noite comigo. Às vezes, o assédio não precisa nem verbalizar, a forma como ele olha já diz tudo”, relatou a ex-funcionária que pediu anonimato.
Ainda de acordo com ela, a prática de assédio moral era recorrente e atingia não apenas as mulheres.
“Sempre teve e muito, com todos os funcionários. Homens, mulheres, que eram muito destratados pelo poder que ele tinha por ser irmão do presidente. Os homens têm medo, as mulheres têm medo. Ele usa do poder de ser irmão do presidente e do cargo, por mexer com o dinheiro. Ele paga seu salário hoje, mas se não tiver afim não paga. Ele pode atrasar como retaliação”, declarou.

Respostas dos citados
Errisson Melo:
O superintendente financeiro do Náutico se pronunciou apenas através do advogado, Luiz Gaião, que disse não ter tomado conhecimento total da denúncia e que, por isso, não iria se manifestar, a princípio. O defensor falou que, caso as denúncias não sejam comprovadas, Tatiana Roma será acionada na Justiça.
“O BO eu li rapidamente mas não sei o que foi colocado como prova. Não tive ainda acesso a nada. Por enquanto, fica difícil de pronunciar até saber qual será a linha que a gente vai adotar, seja para defesa ou para questionar os atos que ele está dizendo. Em uma queixa criminal, quem alega tem que provar. E, caso ela não prove haverá uma reação que seria as medidas judiciais cabíveis, como crime contra a honra”, declarou o advogado ao ge.
Alexandre Carneiro:
O presidente do Conselho Deliberativo do Náutico negou ter pressionado e intimidado Tatiana. Disse apenas que pediu para que não tornasse o caso público, para que não ela não fosse acusada de manobra eleitoreira.
“Eu sempre disse a ela que o sigilo era importante para manter a importância da denúncia porque é ano eleitoral, então, se vazar o sigilo, iriam reduzir o tamanho da queixa dela e jogar para a questão política porque ela é amiga de Bruno Becker [candidato à presidência do clube pela oposição]. A denúncia foi protocolada no Conselho e logo depois foi feito um acordo das partes [das cestas básicas para a ONG] e o principal princípio da mediação é o sigilo. O acordo não foi cumprido, é o que ela diz, que explicasse o tamanho do descumprimento no Conselho. Algo que ela não fez. Ela não trouxe oficialmente documento da entidade informando que foi descumprido o acordo”, afirmou.
Edno Melo:
O presidente executivo do clube não quis se pronunciar sobre o assunto.
Nota oficial do Náutico:
“A respeito de denúncia que está circulando nas redes sociais e na imprensa, a diretoria do Náutico vem se posicionar sentido de que:
Sob orientação do setor jurídico, à época em que o assunto veio ao conhecimento da gestão, foi indicado que haveria um diálogo entre as partes, e que veio a se confirmar com a posterior celebração de um acordo, o que representava, naquele momento, um entendimento.
Se, de fato, há desdobramentos recentes, inexistentes no período citado, será envidada uma apuração detalhada do ocorrido, para eventuais novas deliberações.
Naturalmente, diante da gravidade da denúncia, o funcionário em questão pediu afastamento enquanto o assunto está sendo tratado no âmbito jurídico. Todas as medidas que se fizerem necessárias serão adotadas para que não restem dúvidas sobre os fatos e efetiva ação, no caso de outras medidas administrativas cabíveis.
Ficam reiterados aqui os princípios sempre praticados pela gestão, de combate a todas as formas de desrespeito, preconceito ou intolerância, de qualquer ordem.”







