“Quero que justiça seja feita pelo erro do estado. Vou prestar depoimento e contar toda a verdade do que aconteceu”. A declaração é do adesivador de táxis Daniel Campelo, de 51 anos, um dos homens que perderam a visão após a repressão da PM a um protesto pacífico contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no Recife, no dia 29 de maio.
Nesta segunda-feira (14), Daniel esteve na Delegacia da Boa Vista, no bairro de Santo Amaro, na área central da cidade, para prestar depoimento. O caso é investigado por dois delegados, que apuram a agressão a Daniel e omissão de socorro.
Daniel perdeu a visão de um olho ao ser atingido por uma bala de borracha. Imagens mostram que PMs se negaram a ajudar a vítima, mesmo com os pedidos feitos por pessoas que acompanhavam a manifestação.
Daniel chegou à delegacia por volta das 14h desta segunda. Antes de entrar para falar com os delegados Kelly Luna e Breno Maia, ele falou sobre a situação que está vivenciando depois dos ferimentos.
“Ninguém quer passar por essa situação. Infelizmente, eu estou passando e a minha vida está muito difícil”, declarou.
Daniel afirmou que não tem condições de retornar ao trabalho. “Ainda está muito recente. Sempre passa pela minha cabeça. Quando a gente está deitado, não consegue dormir bem. Volta toda aquela situação novamente. É um desespero. Eu não desejo isso para ninguém”, afirmou.
Daniel lembrou que, depois de levar o tiro no olho, ainda foi atingido por outro disparo. “Isso na hora do meu socorro. Vários disparos continuaram sendo feitos e um deles atingiu as minhas costas. Eu já tinha recebido o primeiro disparo no olho”, lembrou.
Daniel também falou sobre a postura diante dos problemas sociais do país e ressaltou que não estava participando do protesto no dia 29 de maio.
“O que eles pediam lá servia para todos nós, que é vacina e alimento. Nada contra. Infelizmente, eu não participo dessas coisas, mas a gente precisa de vacina e de alimentação. O que está acontecendo é muito difícil no país”.
Sobre o depoimento desta segunda, Daniel afirmou que pretendia “falar a verdade” e tudo o que aconteceu, desde o momento em que ele saiu para pegar um ônibus. Também disse que esperava “o que é de direito em relação ao estado de Pernambuco”
“Queria ter minha visão de volta. Isso jamais vou ter. O meu olho foi retirado. Eu não tenho mais o olho esquerdo. Isso não volta mais. Nem a minha nem a do nosso amigo Jonas, que também é um pai de família e cidadão do bem”, declarou.
Sobre a expectativa de futuro, Daniel disse que “ a vida daqui pra frente está na mão de Deus”. “A gente tem muita fé em Deus. Eu tenho a minha família, mas vamos atrás da justiça”, afirmou.
O outro ferido com gravidade é o arrumador de contêineres Jonas Correia, de 29 anos, que também ficou sem enxergar com um dos olhos por causa de um tiro de bala de borracha disparado pela PM. A vereadora Liana Cirne (PT) foi agredida com spray de pimenta e precisou ser socorrida.
Por causa da ação truculenta da PM, a Polícia Civil, a Corregedoria-Geral da Secretaria de Defesa Social (SDS) e o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) abriram procedimentos para investigar a conduta dos agentes de segurança.
O então secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, e o comandante da PM no dia do ato, coronel Vanildo Maranhão, deixaram o governo. O estado informou que eles “pediram exoneração”.
Além disso, 16 homens que participaram da ação truculenta foram afastados das ruas pela corporação. Três oficiais e outros praças foram identificados.
Por causa da ação truculenta de 29 de maio. o Ministério Público de Pernambuco recomendou que o estado adote medidas para evitar “excessos” em ações da PM em novos protestos contra o presidente Bolsonaro.
O caso é acompanhado por entidade de direitos humanos, que pediram apoio a instituições internacionais, como Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos ( OEA).
O governo do estado montou um grupo para acompanhar, com a sociedade civil, as ações dos movimentos sociais.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco sugeriu a instalação de câmeras nos uniformes dos policiais, acopladas aos coletes, a exemplo da PM de São Paulo.







